14.1.04

Estranha forma de vida

Às vezes, a obsessão produtivista toma conta de mim.

Carrego repetidamente no botão do elevador para ver se a porta se fecha mais depressa. Impaciento-me com o tempo que o coxo demora a atravessar a passadeira de peões. Desespero porque o tipo que está à minha frente para pagar o estacionamento só começa a procurar os trocos quando chega a vez dele. Vou aos arames quando o empregado se esquece de me tirar a bica. Espumo ao ouvir Vivaldi enquanto espero para ser atendido pela linha de clientes da PT. Passo-me quando se alonga a fila na caixa do supermercado.

Torno-me intolerante, vêm-me instintos sanguinários, estou capaz de desencadear uma guerra civil só para abrir caminho entre todos estes empatas que me atrapalham a vida.

Quando a coisa fica mesmo má, enervo-me porque não consegui ler o Público, porque cresce a pilha de livros amontoados na mesa de cabeceira, porque na segunda feira tenho que entregar sem falta o tal relatório, porque reparo que não ouvi ainda aquele disco que comprei há quase um ano, porque os fins de semana são quase tão ocupados como os dias íteis, porque há dias que não converso um bocado com ninguém, porque aquele post ficou por escrever.

Pois é, mas eu gosto de viver assim.

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