19.3.04

Adeus ao atlantismo

A tradição atlantista da nossa política internacional passa por ser um argumento a favor da sua continuidade. Mas isso é um absurdo: uma tradição pode ser um facto, nunca um argumento.

Durante séculos, Portugal foi um país sem estradas nem pontes e, mais tarde, sem caminhos de ferro -- mas com costa e navios. Do ponto de vista geo-estratégico, o país era, pois, uma ilha. Daí a tendência para relacionar-se mais facilmente com a Inglaterra, por via do comércio dos vinhos, com a Noruega, por via da pesca do bacalhau, ou com Marrocos, por via da importação de trigo, do que com a Espanha.

É a esse triste isolacionismo forçado que alguns cómicos chamam vocação atlântica. Essa vocação geograficamnente imposta só nos trouxe a persistência da miséria e o impulso para esboços de aventuras imperiais em países distantes para as quais não possuíamos verdadeiras capacidades.

Ainda assim, é útil precisar que a política externa portuguesa nunca se esgotou na aliança com a Inglaterra. Em múltiplas ocasiões – após a restauração, por exemplo -- Portugal apoiou-se na França e noutras potências continentais para se proteger da Espanha.

Os modernos meios de transporte transformaram paulatinamente esta situação ao longo do último século e meio. Ir do Algarve ao Porto por estrada deixou de ser uma impossibilidade absoluta e, de há dez anos para cá, o país, por via das auto-estradas, adquiriu uma nova identidade que não resulta do mero isolamento e ligou-se directamente à Espanha e à Europa continental.

Deixámos finalmente de ser uma ilha separada da Europa pela Espanha, aproximámo-nos dos centros de decisão continentais. Largámos a EFTA inventada pela Inglaterra, esquecemos o sonho colonial, chegámo-nos à União Europeia, inventámos uma forma de conviver pacificamente com a Espanha. Tudo coisas boas, em suma.

Porque haveríamos nós, neste contexto, de nos voltarmos a amarrar à Inglaterra e, por decorrência, aos EUA? Essa aliança pode ter sido condição de sobrevivência no passado. Hoje, só pode significar regressão política e cultural.

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