9.3.04

Empreendedorismo à portuguesa

Qualquer pessoa que já tenha tentado criar uma empresa em Portugal sabe que o mais difícil não é nem arranjar clientes nem conseguir financiamento. -- É registar o nome.

As coisas passam-se assim: um sujeito dirige-se ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas todo contente, convencido de que tem um nome catita para a sua empresa. Engano: já existe outra com a mesma designação.

«Tiver azar», pensa ele, «mas não faz mal. Vou pensar numa alternativa e depois volto cá.» Trezentos e quarenta e sete nomes depois, todos eles rejeitados sob o pretexto de que já existem, começa finalmente a desconfiar de que alguma coisa não bate certo.

Haverá assim tantas empresas a operar em Portugal? Uma olhadela à Lista Telefónica revela-nos que a esmagadora maioria dessas empresas de facto não existe. Pura e simplesmente alguém registou um nome e ficou-se por aí, se calhar à espera de extorquir dinheiro a alguém que pretenda de facto usá-lo. Empreendedorismo à portuguesa, portanto.

É engraçado. Se eu conseguir registar um nome, tenho um período de tempo limitado para constituir a empresa (se não me engano, apenas uns 30 dias). Mas, se não a criar, o nome continua lá registado, e ninguém o pode usar. Haverá um prazo limite de validade para esse registo? Se há, ninguém consegue explicar-me qual é.

Aqui há uns anos só se podia registar nomes estrangeiros se fossem latinos ou gregos. Mas uma amiga minha conseguiu registar um nome alemão, sem que alguém conseguisse justificá-lo. Quando percebi do que gastava a casa, eu próprio consegui registar um nome inglês com uma justificação disparatada.

Curiosamente, à luz da mesma regra, o nome Microsoft não poderia ter sido reservado, excepto pela própria empresa, mas quando ela chegou a Portugal não pôde usá-lo, porque alguém chegara primeiro! É por isso que a sua firma comercial no nosso país é antes MSFT.

Entretanto, o país «modernizou-se», e já se admite toda a sorte de nomes, mas não vale de nada. Os registadores mistério já avançaram por aí e tomaram conta de todas as designações que vocês consigam imaginar. De maneira que temos dezenas de milhar de empresas (a maioria delas com nomes de pessoas individuais), mas milhões de nomes cativos.

Em desespero de causa, uma outra amiga minha chamou à sua nova empresa «P.1437», passe a publicidade. Aprovado! Mas não riam antes de tempo, porque os resgistadores mistério estão à espreita e, neste momento, já devem ter esgotado todos os números com menos de 397 algarismos.

Um governo que quisesse de facto fazer alguma coisa pelo espírito empresarial começaria por resolver primeiro estas situações anedóticas. Reformas mais complicadas poderiam ficar para depois.

Tenho dito.


Sem comentários: