23.7.04

O meu Tour




A gente levantava-se com as galinhas, faziamos cinquenta quilómetros apertados dentro do carro, discutiamos acaloradamente qual seria o melhor sítio para ficar, esperávamos uma hora e meia à torreira do sol e depois, durante breves segundos, viamos desfilar perante nós uma molhada de ciclistas em grande velocidade. Era como um animal gigante de vento que passava, composto de apenas pressentidas partes humanas, farrapos coloridos deslocando-se rapidamente pela estrada rumo à meta distante.

«Viste o Alvez Barbosa, viste o Ribeiro da Silva, viste o José Pacheco, viste o Pacheco Alves, viste o Agostinho?» Ninguém vira nada. O único que viamos claramente visto era - ironia das ironias - o gajo que antecedia o carro vassoura.

O ciclismo está muito mudado por causa da televisão. É mesmo o desporto mais telegénico que eu conheço. A gente liga o aparelho à hora que imagina que eles vão começar a subir os Pirinéus sob um calor de anazes. Tenho a impressão que vou tomar um duche. Se a coisa está pouco animada, interrompemos para almoçar e voltamos uma hora depois.

Os bravos rapazes lá continuam a dar ao pedal como se nada fosse, alheios aos tormentos das nossas digestões. Por pouco não passo pelas brasas. Vai um whisky? Prefiro um cafezinho.

Agora, ver as grandes etapas da Volta à França é como estar no meio do pelotão. Perdão: vê-se muito melhor e sofre-se incomparavelmente menos. Na frente, já só sobra uma dúzia. Olha, o Ulrich está fraquejar - sempre me saíu um cromo! Força, Azevedo! Não está certo, andar ali a fazer de criado do marmanjão do americano... Só servimos mesmo é para isto.

Tocam à porta. Querem ver que vou perder o momento decisivo? O Armstrong sempre limpa isto? Limpa, não limpa?

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