23.10.04

Contra o empirismo radical

Fiquei preocupado quando que soube que, segundo um inquérito realizado pela União Europeia há um ano, 80% dos portugueses acham que não têm que aprender mais nada no resto da vida para desempenharem com competência as suas tarefas profissionais. Em nenhum outro país se registaram resultados semelhantes a este. Significa isso que não só somos ignorantes, como ainda por cima estamos satisfeitos com a nossa ignorância.

Agora ando também preocupado com os outros 20%, ou seja, com os que acham que precisam de aprender qualquer coisita. É que, nas empresas como nas universidades, só ouço as pessoas dizerem que querem aprender «coisas práticas». Ora a prática aprende-se fundamentalmente na prática, ou seja, a trabalhar na resolução de problemas práticos do mundo real, não nas universidades.

O ensino prático - a que, aliás ninguém liga nenhuma em Portugal, razão pela qual os politécnicos querem ser universidades e os seus alunos querem ser doutores - tem que ver com coisas como escrita técnica de memorandos e relatórios, métodos de organização do trabalho, métodos de direcção de reuniões, métodos de resolução de problemas, técnicas de apresentação, etc. Tudo coisas muito úteis e que nos fazem muita falta, claro está. Mas lamento informar que não é para isso que servem as universidades.

Ouço uns dizerem que o nosso ensino é demasiado teórico, outros que é demasiado prático. Ambos estão errados: o nosso ensino não é teórico nem prático - é mau.

O ensino não deve ser prático, deve ser orientado para a prática, o que é uma coisa bem diferente. Eu concordo com Boltzmann, que dizia: «Não há nada mais prático do que uma boa teoria». A ênfase deve aqui ser posta na expressão «boa teoria», porque é aí que está o problema.

A escola deve dotar os alunos de sólidos e relevantes instrumentos conceptuais e treiná-los na sua utilização. Ler, escrever e contar não são coisas práticas, são instrumentos de trabalho intelectual com inúmeras aplicações práticas (e outras que, no sentido estrito, não o são).

Assim, quando ouço alguém dizer que quer aprender coisas práticas, o que penso logo é que não quer de facto aprender. Quer apenas assimilar umas quantas receitas simples para fazer o seu trabalho sem ter que pensar muito. Esse método é bom para assentadores de tijolos, não para pessoas que, como hoje acontece com cada vez maior frequência, têm que trabalhar essencialmente com a cabeça.

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