27.11.04

Democracia, de Michael Frayn



«Spying is a good metaphor for what we all do most of the time» - Michael Frayn

Na sua peça Copenhaga, os epíritos de três personagens históricos - os físicos Heisenberg e Bohr, e a mulher deste último - são convocados de além túmulo para discutir o que realmente se terá passado no longínquo ano de 1941, quando, em plena guerra, o alemão visitou o dinamarquês em Copenhaga. Heisenberg fora assistente de Niels Bohr, e entre ambos crescera uma sólida amizade, mas agora encontravam-se divididos pelo conflito mundial que envolvia os seus dois países.

Pensa-se que Heisenberg terá procurado persuadir Bohr a colaborar no projecto alemão de construir a bomba atómica, mas nada se sabe ao certo do que ambos terão discutido nesse dia. Michael Frayn, na sua peça, oferece-nos não uma, mas várias conjecturas do que poderá ter acontecido.

Com Democracia, a sua nova peça centrada na ascensão de Willy Brandt a chanceler da RFA em 1974 e posterior queda precipitada pela descoberta de um espião da Stasi infiltrado no seu gabinete, Frayn retoma o esquema de uma construção ficcional envolvendo personagens históricos reais, alguns deles ainda vivos.

Embora não consiga, a meu ver, atingir o mesmo nível de Copenhaga, trata-se de uma peça fascinante sobre os mecanismos do poder e a complexidade que envolve a política e os seus actores em momentos históricos determinantes. A utilização da política como matéria-prima para a ficção não tem, em si, nada de novo. Basta recordar Stendhal, Conrad ou, mais perto de nós, Gore Vidal. Infelizmente, este género não tem actualmente grandes cultores, se exceptuarmos a trilogia teatral recente de Tom Stoppard The Coast of Utopia, cujo tema são os anos de formação do movimento socialista moderno em meados do século XIX, envolvendo personagens como Herzen, Bakunine e Marx.

O ponto mais fraco da peça é o seu título: Democracia. Frayn diz que não lhe chamou apenas Berlim porque, à data, Berlim não era a sede do governo; nem Bona, porque a cidade não tem a grandeza necessária. Optou por Democracia porque lhe pareceu que a peça é sobre isso mesmo: a dificuldade de, na vida privada como na pública, chegarmos a consensos sobre qualquer coisa, tomarmos decisões e pô-las em prática, algo que, acrescenta ele, também se passa dentro de cada um de nós.

Parece-me isto não só muito pobre, como totalmente lateral aos reais e sérios problemas que hoje de facto ameaçam o futuro das democracias. Logo, a peça de facto não está à altura de um título tão grandioso, o que tem como resultado algum defraudamento das expectativas.

Uma nota final para lamentar o fraquíssimo nível da representação do Teatro Aberto. Só o actor que interpreta o papel do hábil e tortuoso Herbert Wehner consegue minimamente compor um personagem. Os restantes não só não parecem fazer ideia do que isso seja, como falham a níveis muito mais elementares. Gelou-se-me o sangue quando ouvi um dizer: «isso tem a haver» e outro: «não percebestes». Percebi, sim.

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