5.12.04

A democracia empresarial segundo Nicolau Santos

Alguma da nossa imprensa parece apostada, de há uns tempos a esta parte, em reintroduzir à sucapa a democracia censitária.

Para ela, sempre que ocorre uma crise, o que interessa é saber o que pensam os empresários. Ora, embora eu não tenha nada contra a possibilidade de os empresários terem opiniões políticas e exprimirem-nas na praça pública, recuso-me a conceder-lhes qualquer estatuto especial.

Um dos mais destacados adeptos da democracia empresarial é Nicolau Santos do Expresso, para quem o critério essencial para se determinar se uma decisão é boa ou má consiste em inquirir a opinião dos empresários.

Assim, ele assegura-nos no seu editorial de ontem que, ao passo que, há quatro meses, «a totalidade dos empresários, gestores e economistas que se pronunciaram sobre o tema (com excepção de João Salgueiro)» apoiou a nomeação de Santana Lopes, agora «não há um único empresário que defenda este Governo». Para Nicolau, esse simples facto bastaria para legitimar a decisão de Sampaio, o presidente de todos os empresários.

Notem bem, além do mais, o abuso de linguagem tendente a fazer crer que: a) «os empresários, gestores e economistas» pensam em uníssono; b) só se pronunciam sobre o caso os empresários que Nicolau ou o Expresso entendem dever ouvir. Acontece que a primeira asserção não é verdadeira, nem mesmo entre a restrita e enviezada amostra de empresários de que o Expresso sistematicamente se socorre.

Vai daí, ganhou progressivamente respeitabilidade na nossa imprensa uma tese segundo a qual os empresários são os titulares do único pensamento legítimo sobre temas económicos, pelo que qualquer solução aceitável deve basear-se nas suas opiniões.

Mas essa mesma imprensa já está agora a começar a ensaiar uma outra versão ainda mais radical: Dada a importância da economia para o bem-estar colectivo, os empresários são os titulares do único pensamento legítimo sobre toda e qualquer espécie de tema político, pelo que os governantes competentes devem limitar-se a acatar obedientemente as suas opiniões.

A perversão da vivência democrática opera de forma quase insensível por via da acumulação destes insidiosos abusos de linguagem.

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