18.3.05

Outra vez o utilizador-pagador

Cobrar portagens nas auto-estradas não é uma maneira de obrigar o utilizador a pagar o serviço de que beneficia. É uma maneira de obrigá-lo a pagar duas vezes pelo mesmo serviço.

Na verdade, os automobilistas já pagam as infra-estruturas rodoviárias através do Imposto Automóvel e dos Imposto sobre os Combustíveis. O primeiro discrimina os automobilistas em função do preço do carro que compram e da sua cilindrada; o segundo, em função dos quilómetros percorridos.

Acresce que temos em Portugal o segundo mais elevado Imposto Automóvel e o terceiro mais elevado Imposto sobre os Combustíveis da União Europeia.

Por conseguinte, a questão que verdadeiramente interessaria apurar seria esta: por que é que, apesar dos elevadíssimos impostos cobrados, as auto-estradas só puderam ser construídas mercê da generosidade dos contribuintes europeus e por que é que a rede nacional de estradas continua a desgraça que todos conhecemos.

Leio e ouço que a aplicação do princípio do utilizador-pagador às auto-estradas é aquilo que a teoria económica recomenda por razões tanto de justiça como de eficiência económica. Isto é grave vindo da boca de professores de economia, visto que, pura e simplesmente, não é verdade.

Quando uma estrada não se encontra congestionada, cobrar portagem exclui do acesso a um bem público alguns utilizadores potenciais, sem que daí resulte qualquer ganho para os restantes. Como não existe rivalidade entre utentes numa estrada não-congestionada, a introdução de um preço tem como efeito a redução do bem-estar colectivo.

Sendo o custo adicional resultante da circulação de mais um automóvel igual a zero numa estrada não congestionada, o que a teoria económica recomenda é que o preço também deverá ser zero. A introdução de portagem implica além disso custos adicionais, tanto fixos como variáveis, o que torna o sistema ainda mais ineficiente.

Se a introdução do preço restringir significativamente a procura, é mesmo possível que o custo de cobrar portagem seja superior à receita gerada pela portagem.

Em matéria de eficiência estamos, pois, conversados.

E quanto à justiça? A construção das SCUTs no interior do país teve como principal motivação criar infra-estruturas essenciais ao desenvolvimento económico, algo facilmente compreensível para quem quer que tenha que se embrenhar pela rede viária pré-histórica que subsiste na maioria do território nacional.

Pode ser objectado que, para isso, não seria preciso construir auto-estradas. Bastaria construir boas estradas, eventualmente vias rápidas. Mas seria o custo dessa alternativa suficientemente mais baixo para justificar a opção? Isso era o que eu gostaria de saber, mas ainda ninguém teve paciência para me explicar.

Opções de política económica são isso mesmo: apenas e só opções de política económica, todas elas com as suas vantagens e os seus inconvenientes. A teoria económica não nos oferece receitas prontas para lidar com as diversas situações. Oferece-nos um quadro rigoroso de pensamento que permite tornar mais claros os custos e benefícios de cada opção. Cabe-nos depois a nós, à luz dos valores que privilegiamos, decidir qual aquela que preferimos. O resto é mistificação.

(Quem estiver interessado em estudar com maior profundidade as teorias micro-económicas relevantes para este tema poderá consultar o Microeconomic Policy, de S. I. Cohen. Aproveito para recomendá-lo também ao Professor Nogueira Leite, que pelos vistos anda a precisar de uma revisão da matéria dada.)

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