8.3.07

Atropelados

Aqui há uns anos, era Presidente da Câmara João Soares, a vereação lisboeta decidiu que, para melhorar a fluidez do trânsito, seria adequado proceder, numa vasta área compreendida entre as Picoas e Entre Campos, a uma alteração consistente em pôr os carros a circular pela esquerda em vez de pela direita.

O sentido desse ímpeto reformista sempre me escapou, mas o facto é que causou um grande aumento do número de atropelamentos na zona, dado que os peões, antes de atravessarem a rua, olhavam para o lado errado, ou seja, para o lado que estavam habituados. Perante tal massacre, a Câmara ainda tentou uma outra solução, que foi pintar no chão umas letras a dizer "olhe para a direita" ou "olhe para a esquerda" para prevenir os mais distraídos.

Com o tempo voltaram o bom senso e a circulação à direita na qual nos encontramos rotinados. Uma relíquia do velho sistema subsiste, porém, precisamente na rua onde se situa a redacção do Público.

Conjecturo que tenha sido essa a inspiração para o rearranjo gráfico que o jornal introduziu há algumas semanas.

Pode-se circular com segurança tanto à esquerda ou à direita; porém, quando as pessoas se habituam a uma convenção, alterá-la pode ter custos elevados. Do mesmo modo, as páginas de comentário podem ser colocadas no princípio ou no fim de um jornal. Em Inglaterra preferem a segunda opção; os leitores do Público estavam habituados à primeira.

A quebra das referências habituais dos leitores do jornal, concebida por um ilhéu inglês que, como é típico dessa nação, aprecia mais os hábitos da sua paroquia, criou-lhes um evidente sentimento de desconforto. Portugal é, como já outras vezes tive ocasião de fazer notar, um país em permanente estado de confusão semiótica, que é como quem diz, um país onde a sinalização serve para confundir em vez de orientar.

O novo desarranjo do Público trouxe essa desorganização para dentro do jornal. Também nós, os leitores, nos sentimos atropelados. Também a nós nos choca a indiferença dos visionários reformadores. Também nós nos perguntamos se, em vez de encherem o jornal de cabeçalhos que pretendem obrigar-nos a olhar para o outro lado, não seria melhor desistirem de vez da ideia abstrusa que tiveram e voltarem ao modelo anterior.

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