27.4.07

O interesse nacional face às eleições em França

Esta parece-me fácil.

Ora é assim: o federalismo é a única maneira de o voto dos eleitores dos pequenos países ter alguma relevância na União Europeia. Logo, o "interesse nacional" como o entendo (e que necessariamente se opõe a outros conceitos de "interesse nacional") implica que a vitória de Ségolène é o que mais nos convém.

Uma perspectiva mais vasta do interesse nacional, assente no princípio eminentemente higiénico de que é preferível lidarmos com Chefes de Estado bem-educados, aponta no mesmo sentido.

Uma homenagem

Há dias recomendei aqui entusiasticamente o livro de John McMillan "Reinventing the Bazaar: A Natural History of Markets" como a melhor introdução que conheço a este tema.

Receoso de não ter feito inteira justiça a esta obra maravilhosa, procurei uma recensão mais competente do que a minha na internet e encontrei esta de Stephen Cheung, professor na Universidade de Sidney.

Infelizmente, a mesma pesquisa deu-me também a conhecer a triste notícia do falecimento de McMillan há pouco mais de um mês. Não há muita gente com o talento que ele tinha para expor teorias económicas complexas de uma forma simples sem ceder à facilidade. Vai fazer-nos falta.

60s Crash Course - Léo Ferré: La Solitude

26.4.07

Deficiência imunitária adquirida

Não sei se já repararam que é muito mais difícil rebater um argumento estúpido do que um argumento inteligente.

Da primeira vez que notei isso entrei em pânico.

Depois, consolei-me com o pensamento de que não é preciso perder tempo a discutir argumentos estúpidos porque as pessoas são capazes, de uma forma quase intuitiva, de recusá-los. Digamos que, nesta hipótese optimista, elas conseguem cheirá-los à légua.

Estarei certo? Francamente, já não sei...

Tanto barulho para nada

As OPAs ganham-se e perdem-se, evidentemente. Faz parte das regras do jogo.

Mesmo sabendo isso, faz impressão como pôde dispender-se tanto tempo, energias e dinheiro com movimentações que acabaram por revelar-se tão frágeis nos seus fundamentos.

Não posso deixar de pensar que anda por aqui muita falta de imaginação.

Convergência económica incondicional ao nível sectorial?

Aparentemente, os resultados da investigação referida neste post pelo economista de Harvard Dani Rodrik significam que a melhor forma de um país com baixo crescimento económico superar as suas dificuldades consiste em entrar a todo o custo em novos sectores de actividade mais complexos.

A novidade é a garantia de que essa estratégia será sempre coroada de sucesso, sejam quais forem as circunstâncias, algo que até agora suscitava as maiores dúvidas entre os economistas.

Resultará daqui um novo fôlego para as políticas económicas industriais voluntaristas?

A brecha

Quando proclamou a libertação da pátria empoleirado numa guarita, nesse já distante 25 de Abril de 1974, Francisco Sousa Tavares não anunciou um facto, mas um desejo.

Não é verdade que, no final desse dia, se tivessem tornado impensáveis, como julga Rui Tavares (v. artigo de ontem no Público), a polícia política, a censura e os presos de opinião.

As pessoas mais informadas não ignoravam que algo estava para acontecer. Sabiam inclusive que havia uma espécie de corrida contra o relógio de vários sectores das forças armadas com propósitos políticos bem diversos.

Quando, ao anoitecer de 25 de Abril, apareceu na televisão uma Junta de Salvação Nacional composta de sujeitos mal encarados e presidida por Spínola, ninguém ficou a saber exactamente ao que vinha o tal MFA (repare-se como é voluntariamente inócua a designação).

Passaram dias até se obter a promessa de extinção da PIDE, de legalização dos partidos políticos e de organização de eleições livres, para já não falar da admissão do princípio da auto-determinação das colónias. Acresce que, decorrido um mês, já havia de novo presos políticos, e não me refiro a responsáveis do regime deposto.

É falsa (e ademais perniciosa) essa fantasia de um dia perfeito que, como por magia, nos serviu a liberdade numa bandeja. Não foi assim, nem jamais poderia ter sido assim.

Em 25 de Abril de 1974 abriu-se uma brecha, e já não foi pouco. Seria preciso mais um ano e meio de luta política até ficar absolutamente claro que espécie de regime iria vigorar em Portugal.

Cadê os jovens?

Outra coisa que me deixa baralhado: se, como todos os dias se afirma, a sociedade está a envelhecer rapidamente, não seria melhor mobilizar os velhos em vez desses miríficos jovens que ou não existem ou são imigrantes?

Conservadorismo à portuguesa

Não posso senão achar divertidíssimos estes conservadores portugueses que se maçam muito com as tradições e os rituais. Façam-me um favor e comecem por pôr ordem nessas cabeças.

24.4.07



Cy Twombly: Wilder Shores of Love, 1985.

23.4.07

60s Crash Course - Booker T & The MGs: Green Onions

A era pós-ideológica segundo Portas

Disse-se, mas é errado, que o discurso de vitória de Portas não trouxe nada de novo.

Portas, o super-ideólogo, anunciou a chegada da era pós-ideológica em que o que interessa são os resultados e não as declarações abstractas de princípios e intenções. Deixo agora de lado a questão de apurar se a opinião pública lhe dará algum crédito nesse papel, para passar directamente aqueloutra de saber onde quer ele chegar, que é o que interessa em personagens políticas deste tipo.

Ora centrar o debate nos resultados efectivos do Governo ao longo dos próximos dois anos tem para o novo PP a grande vantagem de lhe permitir fazer uma oposição a que alguns chamarão séria e responsável - e ainda por cima alinhada pelo mote dado pelo Presidente da República - sem por isso fechar as portas a uma eventual coligação pós-eleitoral com o PS no caso de os socialistas não conseguirem a maioria absoluta em 2009.

É essa a ideia, aposto eu.

Eles e os outros

Marques Mendes esgotou praticamente o seu arsenal de indignação com a nomeação de Pina Moura para a presidência da Media Capital.

Interrogado por um repórter sobre se essa situação não teria, afinal, semelhanças com a presença de Pinto Balsemão, militante número um do PSD, à frente do maior grupo mediático português, Mendes emitiu uma expressão de inultrapassável estranheza e assegurou que uma coisa não tem nada a ver com a outra.

É claro que uma coisa não tem nada ver com a outra. Como poderia ter? Eles são eles, os outros são os outros. Eles são os donos disto. Aliás, já os seus pais o eram. Como é que alguém pode não entender algo tão óbvio? Só por má-fé, é evidente.

22.4.07

60s Crash Course - Miles Davis: Bitches Brew

"¡Dios no quiera que aparezca el manuscrito del 'Quijote!"

Uma pessoa está sempre a aprender:
"Cervantes no tenía ortografía alguna, como no la tenían las personas privadas. La ortografía la tenían las imprentas, hasta que la Academia la organizó un poco. Los escritores escribían haber sin hache, con uve o con be, daba igual. Cervantes no ponía ni puntos ni comas, ni por casualidad. Lo ponían los editores antiguos, por su cuenta, unas veces interpretándolo bien y otras veces haciéndolo mal. Y Cervantes les dejaba absoluta libertad. ¡Él escribió toda su vida Cervantes con be! Él sabía que lo que ocurría antes de la imprenta y durante la imprenta eran cosas distintas. (...) El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha no es el título de Cervantes. Él había titulado El ingenioso hidalgo de la Mancha, que es el título con el que pide el permiso para publicar el libro. (...) Planteándome las cuestiones materiales, es evidente que el Quijote no salió de la mente de Cervantes de un tirón, impecablemente. No. Eran papeles sueltos. (...) He visto muchos manuscritos preparados para la imprenta, pero son copias. Del Quijote debieron haber doscientos.
(...) El Quijote tal cual no lo leeremos nunca."
Da entrevista no El Pais de hoje com Francisco Rico, editor do Quixote.

60s Crash Course - Nino Ferrer: Le téléfon




Isto não é propriamente um comentário aos resultados das eleições presidenciais francesas. Pelo menos não estou consciente de que o seja - mas quem sabe?

Oposição

Está encontrado o post do dia. Podem todos descansar os dedos e voltar amanhã.

Sobre a importação acrítica de preconceitos nacionalistas

Ensina hoje José Manuel Fernandes no Público:
"Costuma dizer-se que enquanto no Reino Unido um cidadão com um problema se dirige primeiro ao seu deputado, em França trata de cortar uma estrada ou cortar uma barricada."

Eu tinha a impressão de que, nos últimos tempos, os cidadãos britânicos com um problema revelam uma preocupante inclinação para colocarem ou planearem colocar bombas em aviões ou autocarros antes de se dirigirem ao seu deputado, mas deve ser confusão de alguém que tende a prestar excessiva importância aos factos.

Cada povo alimenta sobre si próprio as ilusões de grandeza que mais lhe convém, e sinto-me tentado a dizer que isso é lá com ele. Já acho mais surpreendente - e sintomático de falta de discernimento - que pessoas estranhas ao condicionamento social que lhes deu origem engulam e recomendem como bons esses preconceitos nacionalistas.

A anglofilia (bem como a francofilia, note-se) é apenas mais uma das infindáveis maneiras de evitar usar a cabeça.

Livros paralelos



Creio ter sido Hayek o primeiro a sugerir que um mercado deve ser entendido como um sistema de processamento descentralizado de informação. Uma boa parte - talvez a mais frutuosa - da investigação económica das últimas duas décadas dedicou-se a explorar essa intuição. Em resultado, graças a Stigler, Akerloff e Stiglitz, entre outros, compreendemos hoje muito melhor como de facto funcionam os mercados.

Em "Reinventing the Bazaar: A Natural History of Markets", John MacMillan consegue a proeza de apresentar de uma forma simultaneamente rigorosa e acessível os principais resultados da teoria económica da informação. O autor recorre a uma variedade de exemplos intrigantes e bem seleccionados, desde o mercado de flores de Alsmeer na Holanda aos leilões para atribuição de frequências do espectro electromagnético a empresas de telecomunicações. De passagem, explica convincentemente porque é que o capitalismo foi um sucesso na China e um fiasco na Rússia.

A forma como os mercados ajudam milhares de agentes independentes a usarem o melhor possível a informação de que dispõem para tomarem decisões simultaneamente correctas do seu ponto de vista particular e racionais do ponto de vista da comunidade é iluminada com os ensinamentos da teoria dos jogos, área em que John McMillan se sente particularmente à vontade.

Por outro lado, a economia da informação ajuda-nos também a compreender por que é que, às vezes, os mercados falham. Tanto a busca de informação como a sua interpretação têm custos. Um mercado bem formado incorpora mecanismos que lhe permitem manter a níveis razoavelmente baixos os custos de transacção que inevitavelmente resultam da dispersão da informação.

A economia da informação permite-nos também entender o que é necessário fazer para corrigir eventuais falha do mercado. Segundo Arrow, quando um mercado não funciona a primeira coisa que se deve fazer é tentar pô-lo a funcionar, e não substituí-lo precipitadamente por um qualquer mecanismo de decisão hierarquizado.

O tema central de John Kay no seu "The Truth About Markets: Their Genius, Their Limits, Their Follies" é precisamente o mesmo. Porém, embora Kay não fique a dever nada a McMillan, nem como economista nem como divulgador, a verdade é que o resultado dos seus esforços não chega desta vez ao nível da concorrência.

Ao passo que McMillan se centra nalguns quantos casos muito bem escolhidos para, através da sua discussão, ir progressivamente introduzindo as ideias fundamentais da economia da informação, Kay adopta o propósito muito mais ambicioso de passar en revista de uma forma sistemática os progressos da teoria económica na compreensão de como funcionam os mercados. O resultado é um calhamaço de 480 páginas de difícil digestão, lá onde MacMillan em apenas 278 de leitura entusiasmante.

21.4.07

Dziga Vertov: O Homem da Máquina de Filmar (excerto)

20.4.07

60s Crash Course - The Byrds: Goin' Back

Bruxo

Ninguém sabe ainda ao certo quais serão as consequências para o futuro político do primeiro-ministro da campanha que contra ele vem sendo conduzida pelo Público tomando como pretexto a sua licenciatura.

Mas já toda a gente percebeu quais serão as consequências para o futuro jornalístico do Público da campanha que ele vem conduzindo contra o primeiro-ministro tomando como pretexto a sua licenciatura.

60s Crash Course - Jacques Dutronc: Les Playboys

Para que serve a televisão pública

Um estudo divulgado há dias pela Marktest mostrava que a RTP dá muito mais peso à informação política nos noticiários do que as suas concorrentes privadas. Parece que, por causa das audiências, a SIC e a TVI são forçadas a dedicar cada vez mais tempo ao crime e à coscuvilhice.

O curioso é que, segundo os painéis de audiências da mesma empresa, os noticiários da RTP são os preferidos dos telespectadores. Conclusão: o tele-lixo é justificado pelas preferências do público, mas as escolhas do público contradizem a alegação.

Parece, portanto, que as preferências populares não são de facto tidas nem achadas na definição dos critérios jornalísticos. Os noticiários das televisões privadas descambam frequentemente para o rasca porque os directores de informação assim o querem.

Bastaria esta constatação para justificar a necessidade da televisão pública. Parecendo que não, faz falta.

Norman McLaren: Begone Dull Care (1949)



Música de Oscar Peterson.

19.4.07

60s Crash Course - Jacques Dutronc: Mini Mini Mini



Petit, petit, petit
Tout est mini dans notre vie
Mini-moke et mini-jupe
Mini-moche et lilliput
Il est mini Docteur Schweitzer
Mini mini ça manque d'air
Mini-jupe et mini-moque
Miniature de quoi je me moque
Ministère et terminus
Minimum et minibus

Petit, petit, petit
Tout est mini dans notre vie
Mini-moke et mini-jupe
Mini-moche et lilliput
Il est mini Docteur Schweitzer
Mini mini ça manque d'air
Mini, mini, mini
Mini, mini, mini, mini

Moi je préfère les maxis
Maxi-moke et maxi-jupe
Maxi-moche et maxi-pute
Il est maxi Docteur Schweitzer
Maxi maxi ça respire l'air
Maxitère et termaxus
Maximum et maxibus
Maxistère et termaxus
Maximum et maxibus
Maxistère et termaxus

(Já voltaremos aos Velvet Underground. Uma coisa de cada vez. Agora estamos a tratar do caso da França.)

Que querem os franceses?



De que se queixam afinal os franceses? A sua produtividade é tão elevada que até se podem dar ao luxo de trabalhar menos do que os outros. Uma comparação rigorosa demonstraria que, na verdade, a taxa de desemprego pouco excede a dos EUA. Os serviços públicos são excelentes. O clima é agradável. Come-se bem, bebe-se bem. O futebol é do melhor.

O Economist acredita que a França precisa de uma espécie de Tony Blair. Se os franceses seguissem o conselho, o Serviço Nacional de Saúde degradar-se-ia, as auto-estradas passariam a ser pagas, os acidentes ferroviários multiplicar-se-iam e os jovens que actualmente se entretêm a incendiar carros nos subúrbios prefeririam colocar bombas em autocarros e comboios.

O mal da França é a ilusão da grandeza da França - uma crença quase tão absurda como a da grandeza do Benfica. A satisfação das pessoas e dos povos resulta do confronto entre a realidade e as expectativas, pelo que as raízes da infelicidade tanto podem estar num lado como no outro. Ora o papel da França no mundo não pára de diminuir, e os habitantes do hexágono não estão claramente preparados para essa desfeita.

Os franceses já se habituaram a ser o povo mais detestado da Europa. Mas não podem aceitar que os seus esforços para afirmar no exterior a grandeza da França sejam hoje objecto da troça universal.

A França reage a isto crispando-se, de tal forma que toda a sua vida política é na actualidade dominada pelo mais retrógrado chauvinismo. Apenas a forma como ele se manifesta varia um pouco - não muito - de partido para partido. Todos os principais políticos franceses se transformaram em Le Pens mais ou menos assumidos.

É necessária muita imaginação para vislumbrar outra distinção entre a direita e a esquerda que não passe pela mera exibição de emblemas caducos, também eles reminiscências obsoletas de uma pretensa idade do ouro.

De modo que na França contemporânea nós vemos concretizado de forma exemplar o prognóstico de uma sociedade em que desapareceu o tradicional confronto entre direita e esquerda. E talvez seja afinal esse o problema da França, um país sem fantasia, sem esperança e sem rumo.

Sarko? Ségo?

Novas revelações sobre o caso do Público (2)

Parece-me que há aqui evidente má fé: José Manuel Fernandes é jornalista, não é político, e os jornalistas são nossos amigos. Além disso, trata-se indiscutivelmente de um Mestre em armas de destruição massiva, na especialidade Iraque.

18.4.07

60s Crash Course - Truffaut: Fahrenheit 451

Lobo Xavier, dá-me a tua camisola!

Usar um título sem ter feito exame e beneficiando do tratamento de favor de um amigo pode em certas circuntâncias ser uma coisa muito reprovável. Depende apenas de quem for o beneficiário.

15.4.07

Nuno Gomes, dá-me a tua camisola!

60s Crash Course - The Velvet Underground: Waiting for the Man

13.4.07

"A Grande Suspeita"

Mais um comentário inteligente sobre o-assunto-que-vocês-sabem, do qual gostaria de destacar sobretudo as linhas que aqui reproduzo:
"Na cabeça de quem vê estas coisas a preto e branco, e são cada vez mais, são tão legítimas as suspeitas de que Belmiro de Azevedo, José Manuel Fernandes, Ricardo Dias Felner possam estar ilegitimamente conectados em todo este processo, como as de que José Sócrates, Luis Arouca, Armando Vara e o professor das quatro cadeiras o possam estar também. É claro que se acharmos que Belmiro de Azevedo, José Manuel Fernandes, Ricardo Dias Felner * não estão ilegitimamente conectados poderemos tender para a ideia de que o mesmo não se passa com os outros. E o contrário. Estamos mais predispostos a pensar que eles estão a promover uma vingança contra José Sócrates se tendermos para a ideia de que nada de ilegítimo conecta Sócrates com o seu antigo professor, com Luís Arouca ou com o próprio Armando Vara.

"Só que há aqui algo mais complicado: hoje chegámos a um momento onde parece ser insensato não ter suspeitas ou suspeições de alguma espécie. O pior não é tudo poder ser escrutinado. Que o seja. Escrutinado, questionado, interpelado. O problema não é esse. O problema é o elevado rendimento que a suspeição em forma de argumento parece ter. É um produto branco do pensamento social contemporâneo e abriga-se na impunidade a que as fábricas ideológicas têm ainda hoje devido à inexistência de controle de qualidade nos seus processos de fabricação.
(...)
"Como é que saímos daqui? Talvez seja uma ideia errada, a de sair. Se isto é o pântano, qualquer movimento para sairmos tenderá a afundarmo-nos mais. Foi uma péssima ideia termos vindo para aqui assentar arraiais, temos de reconhecer, mas aqui chegados, como é que sobreviveremos não ao pântano, mas no pantâno? Talvez seja boa ideia drenar alguns terrenos. Ou seja, habituarmo-nos à ideia de que o pior não é a suspeita, nem a suspeição. É aceitarmo-la enquanto argumento."

A voz das elites

"A verdade é que Guterres durou pouco mais de um ano à "vaia das elites". Sócrates durará pouco mais que isso e Mendes arrisca-se mesmo a ser primeiro-ministro."

Quem escreveu estas sábias palavras foi o sempre preclaro Rodrigo Moita de Deus, porta-voz oficioso das elites do país que, nas breves e raras interrupções da infindável torrente dos seus ditos espirituosos, ainda tem tempo e talento para nos brindar com inesquecíveis peças de análise política.

Convém anotar estas afirmações, para a gente daqui a dois anos não se esquecer de dar ao rapaz o reconhecimento que lhe é devido.

"O tipo é maricas e nem é dótor"

Ía-me passando, que eu tenho andado muito ocupado e um bocado distraído. Que não vos passe a vós: "E agora, José?"

"...a facilidade com que os media parecem, recentemente, embarcar em causas sem reconfirmarem o trabalho dos colegas"

De Rui Cerdeira Branco, ler aqui: "O contraditório do Sporting".

60s Crash Course - John Coltrane: My Favorite Things (2)



Outra versão, dois ou três anos depois, aqui com McCoy Tyner, Jimmy Garrison e Elvin Jones.

60s Crash Course - John Coltrane: My Favorite Things (1)



John Coltrane no sax tenor com Elvin Jones na bateria, McCoy Tyner ao piano e Eric Dolphy na flauta. O som não está à altura da música, mas paciência.

60s Crash Course - The Velvet Underground: Sunday Morning

12.4.07

Novas revelações sobre o caso do Público

Lido aqui:

A NOTÍCIA DO PÚBLICO NÃO É VERDADEIRA

A propósito de um conjunto de notícias e opiniões publicadas na comunicação social e da tomada de posição do Sindicato dos Jornalistas, transmitindo todas a ideia segundo a qual a condenação do jornal o Público em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça se ficaria a dever à publicação de uma notícia verdadeira sobre supostas dívidas fiscais do Clube, considera-se essencial esclarecer o seguinte:

1- Em 22 de Fevereiro de 2001 o Público deu à estampa, em primeira página, uma notícia peremptória, segundo a qual o Sporting Clube de Portugal tinha uma dívida ao fisco "de 460 mil contos, anterior a 1996 que terá sido executada mas nunca cobrada".

Ao contrário do que é afirmado em diversas intervenções e títulos de notícias (v.g. "Notícia verdadeira dá sanção"), em parte alguma do processo, quer nas decisões de primeira e segunda instância, quer na decisão do STJ, ficou provado que a notícia do Público fosse verdadeira.

Pelo contrário, a sentença da primeira instância, que fixou definitivamente os factos, é claríssima quando afirma que o Público e os demais jornalistas réus não fizeram "prova da efectiva existência desta dívida".

2 - Pelo contrário, ficou provado que o SCP incluiu no requerimento de adesão ao Plano Mateus todas as dívidas fiscais apuradas pela Secretaria de Estado dos Assuntos fiscais; ficou provado que o SCP sempre cumpriu os pagamentos decorrentes da adesão. Ficou também provado que à data da publicação o SCP não fora notificado pela Administração Fiscal de qualquer dívida nem fora interpelado para pagar a suposta dívida constante da notícia. Ficou ainda provado que o SCP desmentiu expressamente ao Público o teor da notícia, no dia anterior à publicação da mesma.

3 - Mais se demonstra que a notícia não era verdadeira pois o próprio Público, em 23 de Maio de 2001, publica outra notícia sobre o tema, na qual se vislumbram dois aspectos fundamentais:

a) a verba de 465 mil contos que o jornal inicialmente dizia de forma peremptória ser devida pelo Sporting Clube de Portugal era, afinal, uma verba remanescente, apurada pela Administração Fiscal, que dizia respeito ao conjunto dos Clubes que aderiram à dação em pagamento das receitas do Totobola, para regularização das dívidas desses Clubes.
b) afinal essa quantia de 465 mil contos não tinha sido executada ao Sporting, resultava antes de discrepâncias no apuramento da totalidade das dívidas dos Clubes para efeitos de adesão à dação em pagamento, apuramento esse que tinha sido efectuado pelas Direcções Distritais de Finanças. E o Público vai mais longe, noticiando que afinal esses 465 mil contos - supostamente devidos pelo Sporting - são da responsabilidade da Liga e da Federação!

Ou seja, é o próprio jornal que, embora de forma implícita, desmente a notícia inicial: percebe-se desta segunda notícia que a dívida totalmente imputada na notícia inicial ao Sporting não é uma dívida do Clube e percebe-se também que houve lapsos da administração fiscal no apuramento das dívidas, ao que o Sporting e os seus dirigentes são alheios.

4 - Mas importa ainda recordar que, passados cinco anos da publicação da notícia que lhe imputava a dívida de 460 mil contos, o SCP foi notificado pela Administração Fiscal para pagar a verba (agora em euros) de 460 mil contos noticiada e demonstrou que a mesma não era devida.

5 - Ou seja, a notícia não era, efectivamente, verdadeira, o Sporting não devia nem nunca deveu os noticiados 460 mil contos ao fisco... Lamenta-se por isso que a análise ao Acórdão do STJ sobre a matéria esteja a assentar nos pressupostos da veracidade e da excelência do trabalho jornalístico, quando nem um nem outro são verdadeiros.

O Conselho Directivo
Sporting Clube de Portugal

6os Crash Course - Thelonious Monk: Blue Monk

Lucidez

Anoto com satisfação o facto de praticamente todos os bloggers que mais prezo terem sabido, apesar de algumas naturais divergências de opinião, conservar a lucidez a propósito do "caso" da licenciatura do primeiro-ministro:

1. José Sócrates, de Tiago Barbosa Ribeiro

2. A inversão do ónus da prova, de Paulo Gorjão

3. Provas, inversões e outras confusões, de Miguel Abrantes

4. Salvem o jornalismo, de Rui Cerdeira Branco

5. Em que ficamos?, de Eduardo Pitta

6. A minha opinião, de Lutz Bruckelmann

7. Deprimi..., por Cenas Obscenas

8. Queen Anne is dead, de Filipe Nunes Vicente

9. Quando os jornais dependem da colaboração dos actores políticos, de Alexandre Guerra

10. Questões políticas passageiras e questões de Estado, de Rui Pena Pires

10.4.07

60s Crash Course - Miles Davis: Miles Runs the Voodoo Down



Miles Davis, Wayne Shorter, Chick Corea, Dave Holland e Jack de Johnette em 27 de Outubro de 1969, no Teatro Sistina de Roma. Suponho que seja o mesmo grupo que nesse ano tocou em Cascais.

9.4.07

Rui Costa, dá-me a tua camisola

David Luiz (o Ricardo Carvalho do Benfica) não esteve mal. Tal como não estiveram mal Nuno Gomes (o Gomes do Benfica), Miccoli (o Rui Barros do Benfica), Rui Costa (o Oliveira do Benfica) e Simão (o Futre do Benfica). Sem esquecer Derlei (o Derlei do Benfica). Mas é claro que fez falta Luisão (o Fernando Couto do Benfica).

Agora quem de facto safou mesmo a coisa, já depois da hora, foi Lucílio Baptista (o Pai Natal do Benfica).

8.4.07

60s Crash Course - Joe Cocker/ Mad Dogs and Englishmen: The Letter

Jornalismo de sarjeta

O resultado das "investigações" que alguns jornais têm vindo a conduzir sobre a licenciatura do primeiro-ministro resume-se até agora, como procurei demonstrar ironicamente no meu último post, em duas palavras: uma mão-cheia de nada.

Rui Pena Pires esclarece aqui mais um confusão atrevida e irresponsável de alguém que, todavia, continua a alegar boa-fé.

O problema das campanhas de calúnias é que é praticamente inútil desmontá-las uma a uma, porque, não tendo a grande maioria das pessoas paciência para acompanhar o detalhe do que está em discussão, fica assegurado o efeito de abalar a honorabilidade do visado.

Há dias, dizia o procurador especial JMF na SIC Notícias que não pode comparar-se esta investigação com o affaire Monica Lewinski, porque aí estava em causa uma questão do foro íntimo, ao passo que aqui estamos perante uma questão eminentemente pública.

Não sei se será assim tão óbvio qualificar como um caso privado uma relação sexual na Sala Oval entre o Presidente dos EUA e uma estagiária da Casa Branca, mas adiante. A questão não é essa. O que aproxima ambas as situações e é típico da política suja é a tentativa de questionar o carácter de um responsável governamental para atacá-lo politicamente.

Lá como cá, neste tipo de campanha, cujas motivações só podemos conjecturar, vale tudo, como por estes dias temos temos podido observar. A maior tristeza, bem definidora da miséria intelectual que tomou conta do país, é que, por cá, o pontapé de saída foi dado pela imprensa de referência, não pelos jornais de escândalos.

7.4.07

The Graduate

- Professor, precisava de um grande favor seu.
- Se eu puder... Ora diga.
- Surgiu aqui uma coisa, e necessito do meu diploma hoje mesmo.
- Hoje mesmo? Mas qual é a pressa?
- Amanhã vou a uma entrevista para um emprego.
- Amanhã?
- Sim, amanhã. É por causa de um lugar de Secretário de Estado.
- Mas agora para isso também tem que se ter diploma?
- Diz que sim.
- O problema, está a ver, é que hoje é Domingo... A Universidade está fechada...
- Pois, mas eu sei que a Secretaria já tem tudo pronto. Só falta a sua assinatura. De maneira que, se puder passar por lá, é só fazer a rubricazinha - e já está!
- Há mais uma coisa... Hoje é Domingo... Não se passam diplomas ao Domingo... Uma coisa assim vai levantar desconfianças...
- Oh senhor Reitor, por amor de Deus! Põe-se data de 6ª feira, e pronto! Ninguém tem nada que saber.
- Grande ideia! Vê-se logo que é engenheiro!

6.4.07

O pensamento onde não o vemos

"Cresci num ambiente filosófico em que o movimento consistia em sair da filosofia. (...) Aquilo que verdadeiramente me interessa é o pensamento onde não o vemos, medir esses fenómenos imperceptíveis de deslocamento dos pensamentos e das sensibilidades que determinam as transformações sociais e políticas."

Jacques Rancière, no Público de hoje

3.4.07

60s Crash Course - The Troggs: Anyway That You Want Me/ I Want You/ I Can't Control Myself



A qualidade do video é deplorável de todos os pontos de vista imagináveis, mas foi o melhor que se conseguiu arranjar do mais chanfrado dos grupos pop. À beira disto, os Who são música clássica

Já faltou mais

Um dia destes, por influência desta dupla, torno-me sportinguista. Ou não passarão eles de agentes infiltrados?

2.4.07

Deve a Europa ajudar os EUA no Iraque?

A pior opção que os EUA podem tomar no Iraque é escolherem a escalada do conflito, promovendo a guerra civil no Líbano e ameaçando invadir o Irão.

A segunda pior opção é retirar precipitadamente do Iraque, deixando o país mergulhado no caos e traindo os aliados locais.

A primeira opção é a favorita da administração Bush, até porque vem na sequência lógica da grandiosa estratégia neocon para o Médio Oriente. A segunda é a que, de momento, mais atrai os democratas.

Se vencer a doutrina que exige o abandono no prazo máximo de 1 ano - ou seja, a tempo de o próximo Presidente evitar herdar a batata quente - os EUA não precisarão do apoio da Europa. Se vencer a aposta no alastramento do conflito, a Europa deve manter-se à parte.

Só admito que a Europa mude de posição se os EUA estiverem dispostos a rever por inteiro a sua política no Médio Oriente. Isso teria de começar por um acto de contrição em relação ao passado recente.

Infelizmente, ainda não houve até hoje qualquer sinal de que Bush esteja genuinamente apostado em arrepiar caminho.

Assim, se a Grã-Bretanha quiser persistir no erro de apoiar cegamente os EUA, o problema será dela. Não terá qualquer legitimidade para exigir o apoio político da União Europeia quando, como na passada semana sucedeu, se deixa enredar nos preparativos da guerra dos EUA contra o Irão.

Um político bom é um político morto

Que há de comum entre Salazar, Adenauer, De Gaulle e Churchill? Resposta: todos ganharam nos seus respectivos países o equivalente do nosso concurso para a eleição do Maior Português.

Será possível encontrar aqui um padrão? Sim:

1. Todos nasceram ainda no século XIX, ou seja, há bem mais de um século

2. Todos morreram entre 1965 e 1970, ou seja, há pelo menos 37 anos

3. Todos exerceram o poder máximo executivo nas suas pátrias em meados do século XX

4. Todos abandonaram esses cargos há pelo menos 40 anos

A conclusão parece-me clara: os povos preferem os políticos mortos aos políticos vivos, provavelmente pela mesma razão que nos leva a romancear as duras vivências passadas, num processo que se inicia pela lenta dissolução da memória e mais tarde se conclui com a doce reconstrução dos factos pela imaginação até só guardar com a realidade o mais ténue dos laços. Ora, para que esta reencenação esteja concluída exige-se tempo.

Churchill ou Salazar, que importa isso, se o método de escolha - se de método se pode falar - foi, no fundo, o mesmo?

Como dizia o outro: "Não há paraísos senão os perdidos".

PS - É claro que isto não é para levar muito a sério. Agora, que toda a gente já disse o seu disparate, não terei também direito ao meu?

A questão

Pedro Magalhães, no Público de hoje (link indisponível):
Não deixa de ser curioso que uma parcela substancial das nossas elites esteja disposta a tomar como bom ponto de partida para a reflexão tudo aquilo que confirme a ideia de que os portugueses são desinformados, medrosos, intolerantes, incultos, infantis ou autoritários. Insatisfeitos com a democracia, dispostos a voltar ao passado ou, pelo menos, vulneráveis aos populismos. Deve ser também por isso que um cartaz vagamente cómico no Marquês de Pombal dá direito a notícias de abertura em espaços noticiosos e gera declarações de ministros, parlamentares e procuradores. Semelhante paternalismo, mesmo que iliberal no que toca ao direito de exprimir opiniões (por imbecis ou abjectas que sejam), até pode ser bem-intencionado. Mas, já agora, se me permitem a pergunta: quando as elites intelectuais de um país acham que o povo desse país é, no fundo, um bocado estúpido, até que ponto podem elas próprias ser, digamos, sinceramente democráticas?

Ora aí está uma boa pergunta.