16.9.07

A revolta dos Zequinhas



Se um tal Zequinha (em cima, na foto) é afastado da selecção de sub-garotos por roubar o cartão vermelho a um árbitro - coisa que, convenhamos, até tem a sua graça -, como poderemos admitir que a Federação, nesse caso tão peremptória, deixe impune o chefe dele e de todos os outros Zequinhas que povoam as selecções nacionais?

Ao longo dos últimos anos foram mais do que muitos os actos de violência praticados pelos internacionais portugueses de futebol dos mais diversos escalões, culminando na destruição de um balneário em França. Ficou agora claro que o exemplo vinha de cima.

Acresce que os Zequinhas séniores tiveram o descaramento de cometer há dias um motim contra a Federação - e, pior ainda, contra o público que somos nós - sob a forma de abaixo-assinado de apoio a Luis Filipe Scolari.

Chagadas as coisas a este ponto, ou Scolari é demitido, ou nunca mais ninguém tem mão no comportamento dos futebolistas que pretendem representar o nosso país. Isto é absolutamente claro. O próprio Scolari - cuja primeira decisão ao tomar conta da selecção foi afastar dela definitivamente João Pinto por ter agredido um árbitro - não pode deixar de concordar com isto.

Não há nada mais falso do que dizer-se, como o Maradona, que "O futebol é o futebol e o futebol só é exemplo para uma coisa: jogar futebol".

A bisca lambida é um jogo. O futebol é muito mais do que um jogo, a tal ponto que, às vezes quase apetece perguntar se ainda será um jogo.

No mundo de hoje, e ainda mais no nosso país, o futebol tornou-se numa das poucas coisas que interessam a um grande número de pessoas, senão à grande maioria delas.

Há muitas razões para isso. Uma delas é que, numa conjuntura de quase absoluto triunfo do individualismo extremo, o futebol dá-nos a oportunidade de nos identificarmos com algo que nos devolve o sentimento de pertença a algo mais vasto e transcendente. (É uma transcendência pobrezinha, mas é uma transcendência na mesma.)

O futebol preenche um vazio, e não serei eu a criticá-lo por isso, na medida em que o faz de forma relativamente benigna. Há outras formas de canalizar este anseio de dissolução do indivíduo no colectivo através da embriaguez dos sentidos e do excesso, quase todas elas mais perigosas.

O impulso dionisíaco está por detrás da paixão contemporânea pelo desporto em geral, e, em particular, pelo futebol. Mas é o elemento apolíneo - isto é, as regras escritas, mas também o indefinido fair-play - que o tornam a um tempo interessante e suportável numa era civilizada como a nossa.

Perca-se isso de vista, e o futebol deixar de ser um veículo socialmente útil de sublimação da violência que se acoita na nossa natureza para se converter num catalizador dos instintos de destruição. Temos bastos exemplos de como isso pode acontecer.

É claro que uma pessoa pode legitimamente argumentar que, a ela, só lhe interessa o lado lúdico e estético do futebol, e que tudo o mais não lhe diz nada.

Mas eu acredito, ao invés, que, na arte como no futebol, o esteticismo é um mau guia para a fruição das obras que ambos têm para nos oferecer.

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