24.3.08

Telemóveis, histerias e video

Foi no "Antologia do Esquecimento" que descobri o post mais equilibrado acerca da metonímia em forma de video que tem trazido numa fona os pescadores de águas turvas. É um tanto longo, mas assuntos complexos como este não admitem sound-bytes. Aqui fica ele, sem tirar nem pôr:
Depois de muito ter lido e ouvido sobre o caso do vídeo divulgado no Expresso, onde se vê uma aluna "brutalizando" uma professora na Escola Carolina Michaëlis, quero clarificar alguns pontos que ficaram por clarificar no post anterior:

1. A minha manifestação de solidariedade para com a professora Adonzinda Cruz é independente de qualquer julgamento acerca dos méritos ou deméritos da mesma na forma como encarou a situação. Em nenhuma circunstância podemos admitir que um professor seja tratado daquela forma por um aluno. Ponto final. Penso que isto não merece qualquer discussão;

2. O facto daquela situação ter sido gravada, as circunstâncias que permitiram que tal acontecesse, é, já por si, algo que nunca deveria acontecer. O uso dos telemóveis dentro de uma sala de aula é inadmissível. Impedi-lo deve ficar estipulado num conjunto de regras estabelecidas por toda a comunidade escolar;

3. Para muitos adolescentes, o telemóvel é hoje um objecto de afirmação da personalidade. Devo dizer que em vários questionários que fiz aos meus alunos e formandos, uma das perguntas era sobre um objecto que considerassem muito importante na vida deles. A esmagadora maioria respondia o telemóvel. A histeria da aluna, apesar de inaceitável, é compreensível à luz destes novos paradigmas;

4. Aquela situação não configura um caso de violência escolar. É uma situação de indisciplina, obviamente, que, por isso mesmo, deve ser punida. Desde logo, na avaliação da aluna. Refiro isto porque este aspecto é negligenciado amiúde. A avaliação de um aluno deve ter em conta múltiplos aspectos, não deve resultar de uma média aritmética onde apenas contam as notas dos testes (o que, diga-se, acontece quase sempre);

5. Situações de indisciplina não são de agora. É absolutamente ridículo relacionar aquele caso com alegadas tentativas de desprestigiar a classe docente, assim como fazer dele uma consequência directa das reformas que têm sido levadas a cabo pelo actual Ministério da Educação. Referi casos de indisciplina vividos quando eu era aluno. Outros já fizeram o mesmo: aqui, aqui e aqui;

6. A indisciplina nas escolas nunca tem um único culpado. Ela resulta de múltiplos factores, onde estão implicados alunos, pais, professores, várias instituições... Não é a culpa que deve ser discutida, mas sim a forma como se lida com a indisciplina. Naquele caso em concreto, tudo me parece muito estranho. Mais estranho que a professora não tenha apresentado queixa da aluna. Digamos que esta flexibilidade só terá uma consequência: mais desrespeito;

7. O respeito não é um dado adquirido, conquista-se. Como? Dando o exemplo é um bom caminho. Se queremos ser respeitados, devemos, antes de mais, dar-nos ao respeito. Lembro-me agora de situações de indisciplina, não dos alunos, mas dos próprios professores. E pergunto: pode, por exemplo, um professor que utiliza o telemóvel no decorrer das aulas exigir a um aluno que não o utilize? Pode. Mas será muito mais difícil ver a sua exigência respeitada;

8. Evitando abstracções em demasia, regresso à Escola Carolina Michaëlis. Aqueles telemóveis não podiam estar ligados. É uma regra básica: estipular, logo na primeira aula, que os telemóveis devem ser desligados quando se entra numa sala de aula. É como ir ao cinema. A professora nunca deveria ter descido ao nível da aluna, caindo no ridículo de medir forças com a mesma. Abria a porta e pedia à aluna que saísse, pedia ajuda a um auxiliar, qualquer coisa menos o que sucedeu. Tendo acontecido o que aconteceu, o Conselho Executivo deveria ter sido imediatamente avisado. E, seguidamente, os encarregados de educação. O resto é conversa;

9. Quando estas situações acontecem lá vem o argumento reaccionário de que "isto hoje é tudo uma bandalheira". Já nos encarregámos de dizer que "a bandalheira" não é de hoje, que a indisciplina e, nos piores casos, a violência escolares são típicas das sociedades abertas e democráticas (talvez na China não seja assim). É o preço a pagar por uma escola também ela aberta e democrática. Haverá colégios privados com características diferentes. As escolas públicas não podem ser senão democráticas. O que pretendem? Escolas ditatoriais em regimes democráticos? Seria uma contradição do sistema. O que me parece fundamental é que a democracia não descambe no laxismo, na ausência de autoridade, numa escola do desrespeito. Para que tal não aconteça, apenas se exige que todos cumpram competentemente as suas funções. Está claro que não foi isso que sucedeu: a professora não apresentou queixa no Conselho Executivo. E só depois de as imagens terem sido publicadas no YouTube é que o caso foi tornado público e aberto um inquérito.

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