10.4.08

O direito ao futebol

As vantagens da livre circulação internacional de pessoas e bens assentam no pressuposto implícito de que a exportação de um bem não implica que o país produtor fique dele privado.

Essa condição não é satisfeita no caso do futebol: desde que os clubes europeus passaram a poder contratar sem limites jogadores de qualquer nacionalidade, os melhores futebolistas deslocaram-se em massa para os países que geram maiores receitas publicitária de televisão, ou seja para os maiores países europeus.

Por este andar, quem quiser ver um bom jogo de futebol terá que deslocar-se a Inglaterra. (Suponho que não será preciso explicar por que é que o futebol através da televisão não é a mesma coisa.)

O futebol tornou-se privilégio de alguns poucos países em detrimento de todos os outros, entre os quais muitos dos que produzem mais futebolistas de qualidade e que, no passado, também produziam mais equipas de qualidade.

Desde que a lei Bosman foi promulgada, os únicos clubes de países pequenos mas com grandes tradições que conseguiram ganhar a Liga dos Campeões foram o Ajax e o FC Porto. O troféu é, na prática, disputado apenas entre clubes ingleses, espanhóis e italianos, e o núcleo dos potenciais candidatos reduz-se de ano para ano.

Há múltiplos sintomas de que este sistema prejudica o futebol. Nas ligas nacionais temos em casos limite campeões crónicos como o Porto, o Lyon ou o Bayern; nos restantes, competições a dois (Madrid e Barcelona em Espanha, Manchester e Chelsea em Inglaterra, Celtic e Rangers na Escócia, por exemplo).

Na Liga dos Campeões, até já os clubes franceses e alemães têm dificuldade em chegar aos quartos de final e os espanhóis e italianos às meias finais. Dentro em pouco será normal termos três ou mesmo quatro equipas inglesas sem um único jogador inglês nas meias finais.

A eliminação da Inglaterra na fase de qualificação para o Europeu 2008 foi atribuida por parte da sua opinião pública à invasão de futebolistas estrangeiros, o que determinou a relegação dos jogadores ingleses para equipas menos competitivas da sua liga ,nas quais dispõem de menos oportunidades para se desenvolverem e afirmarem na alta competição.

Amadureceram, pois, as condições para mudar o actual estado de coisas.

O que fazer? Voltar às restrições de circulação de jogadores no espaço europeu não é possível nem desejável. Uma alternativa a considerar seria a instituição de tectos salariais para futebolistas, a exemplo do que se faz no desporto professional americano, mas disposições desse tipo pressupõem uma organização desportiva distinta daquela que existe na Europa.

De modo que só vejo duas soluções possíveis:

1. Organização de ligas multinacionais envolvendo os pequenos países, do género da Liga Atlântica há anos proposta pelos clubes escoceses, no seio da qual competiriam as principais equipas portuguesas, escocesas, irlandesas, holandesas, belgas, dinamarquesas, suecas e norueguesas.

2. Distribuição igualitária das receitas futebolísticas televisivas entre os clubes participantes, tanto ao nível nacional como internacional, imitando o sistema americano no qual a organização económica do desporto está centrada nas ligas e não nos clubes.

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