21.4.08

Tretas verdes

Para assinalar o Dia da Terra que amanhã se comemora, o Diário de Notícias imprimirá durante esta semana o seu jornal em papel reciclado acedendo a uma sugestão do incontornável, do eterno, do único arquitecto Ribeiro Teles, tetravô (e não pai, como pretende o DN) da ecologia em Portugal.

Primeira pergunta: porquê só esta semana? Se o papel reciclado de facto protege a Natureza, não seria mais responsável usá-lo sempre? A explicação óbvia é que o papel reciclado é mais caro. Logo, só seria possível adoptá-lo permanentemente se os leitores ou os anunciantes do DN estivessem dispostos a pagar mais. Ora parece evidente que a consciência verde não é suficientemente forte para persuadi-los a fazerem esse sacrifício.

Segunda pergunta: será o papel reciclado efectivamente melhor para o ambiente? A verdade é que há quem ache que sim, há quem ache que não e há quem ache que depende. Na falta de tempo e competência para discutir o assunto com o detalhe que merece, direi apenas que o tema é altamente discutido e discutível. Acrescentarei ainda que os argumentos usualmente brandidos para defender a reciclagem do papel não fazem grande sentido.

Assim, muita gente acredita que a produção de papel de fibra virgem é responsável pela desflorestação do planeta, quando a verdade é que a floresta de produção é regularmente replantada. Acresce que as árvores jovens são mais eficazes a reciclar a atmosfera terrestre do que as árvores velhas.

Depois, há o gasto energético da produção do papel reciclado. Em primeiro lugar, gasta-se muita energia a recolher e transportar papéis velhos. Depois, gasta-se muita energia a separá-lo. Finalmente, gasta-se muita energia a purificá-lo de detritos e materiais diversos.

Qual é o balanço final, tomando em conta tanto as poupanças como os desperdícios adicionais? Digamos, a bem da verdade, que ninguém sabe, ou melhor, que varia de caso para caso e designadamente conforme o tipo de papel de que estejamos a falar.

Uma boa parte dos papéis comercializados são de facto papéis reciclados. Tal é o caso, por exemplo, de muitos papéis de embalagem de transporte, naturalmente porque a relação qualidade-preço obtida é satisfatória. Não é esse o caso, porém, da generalidade dos papéis higiénicos ou de impressão e escrita.

Dir-se-á que o mercado automaticamente define quais são os tipos de papéis que se justifica reciclar, tendo em conta que em muitos casos essa prática permite reduzir os custos de produção. Haverá razões para desconfiarmos de que os mercados possam não estar a funcionar bem? Apenas e só se alguns custos gerados pela produção de papel de fibra virgem não forem suportados pelas empresas responsáveis mas pela comunidade no seu conjunto, ou seja, se elas estiverem a gerar deseconomias externas pagas por todos nós.

Se e quando assim for, o que haverá a fazer será instituir taxas sobre o consumo, por exemplo, de energia que aproximem o custo pago pelos produtores do seu custo real. Dá trabalho e não conduz a resultados perfeitos, mas é muito melhor do que pura e simplesmente desmantelar os mecanismos de mercado e, sobretudo, do que contar histórias da carochinha aos consumidores e esperar que eles se disponham a pagar preços mais elevados por produtos com vantagens altamente duvidosas.

A mim afligem-me muito as ameaças que impendem sobre o planeta, mas estou convencido que aquela que maior perigo representa para a nossa civilização é a conversa da treta, seja ela verde ou de qualquer outra cor.

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