27.11.08

O planinho Barroso

1. Mobilizar verbas equivalentes a 1,5% do PIB europeu pode parecer muito. E seria de facto muito, se se desse o caso de nos encontrarmos perante uma recessão comum. Mas não estamos: a paralisia do sistema financeiro ameaça bloquear o funcionamento da economia mundial, algo que, a esta escala, não sucedia há quase oitenta anos.

2. Pior ainda: desses 1,5%, apenas o equivalente a 0,3% resultam de iniciativas da própria Comissão. O resto provém da mera agregação de medidas tomadas ao longo das últimas semanas pelos maiores países da União. Mais uma vez, as instituições que governam a UE demonstram escassíssima capacidade autónoma de actuação.

3. No plano da Comissão há de tudo um pouco: reduções de impostos directos, reduções de impostos indirectos, reduções de impostos sobre os capitais, reduções dos descontos para a segurança social, aumentos de salários mínimos, aumentos de prestações sociais, reforços dos subsídios de desemprego, apoios a indústrias seleccionadas, créditos bonificados a PMEs, créditos bonificados à habitação, investimentos públicos em infra-estruturas, investimentos públicos em educação e saúde, etc., etc., etc.

4. Reconheço a inevitabilidade, nas presentes condições, de tal dispersão. Mas seria de esperar, ao menos, um fio condutor, uma linha forte. A ideia que fica é que tanto faz baixar impostos como aumentar despesas, e que é também indiferente que tipo de impostos ou de despesas são afectados. Nada mais falso.

5. Baixar impostos não é uma solução, porque, na actualidade, tanto as empresas como os particulares privilegiam o entesouramento como forma de se protegerem contra o risco que adivinham no horizonte. Ora o dinheiro entesourado não é consumido nem investido, apenas retirado da circulação. Caímos numa armadilha da liquidez tipicamente keynesiana.

6. Apoiar a indústria automóvel também pouco resolve, para além de representar uma injustiça em relação a outras actividades económicas. Mais absurdo ainda é dar-lhe dinheiro para acelerar o desenvolvimento de veículos ecológicos, porque isso não terá qualquer consequência no horizonte da presente recessão, mesmo que ela se prolongue por dois ou três anos.

7. O mesmo raciocínio vale para a promoção do investimento público em geral. Não interessa lançar investimentos cujo efeito reprodutor só se fará sentir dentro de vários anos, como é o caso de grandes obras de melhoramento de infra-estruturas.

8. Do que se necessita é de investimento público rápido, útil e com impacto sobre o emprego, que permita contrariar urgentemente o desaparecimento do investimento privado a que estamos a assistir. Digamos, de um grande número de pequenas obras programáveis e executáveis a breve trecho, tais como reconstrução e melhorias de escolas, hospitais, tribunais, estradas, pontes, jardins, recintos desportivos, pavimentos, muros, e por aí fora. Ora, isso é precisamente aquilo que quase não se vislumbra no Plano Barroso hoje apresentado em Bruxelas.

9. Como Keynes recomendou a Roosevelt após a sua eleição, do que agora se necessita é de gastar, gastar, gastar. Para evitar ter que gastar mais depois, quando isso for mais difícil e perigoso. Este conselho, em circunstâncias normais insensato, é o único prudente no momento actual.

10. Tudo indica que, quando finalmente os nossos líderes acordarem, poderá ser demasiado tarde para evitarem o pior.

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