3.12.08

Dr. Pangloss, ascensão e queda

Cinco professores de Economia assinam hoje no Público o artigo "A ciência económica vai nua?", de que copiei os seguintes extractos:
"A teoria económica dominante é profundamente insensível à realidade. Constitui, em geral, uma abstracção desatenta e trata os acontecimentos difíceis como um problema que não é dela."
"Os livros-texto que hoje dominam falam de racionalidade e de equilíbrio, abstracções insensatas que a prova empírica contesta com violência. Teorias deficientes têm, pois, ocupado o lugar das mais prudentes, das mais capazes de perceber que o económico não é uma esfera autonomizável do institucional, do político, do social, do psicológico. No passado, era mais fácil encontrar manuais mais pluralistas e sensíveis às estruturas institucionais da realidade, mais baseados em lições retiradas de padrões históricos e não somente em deduções lógico-matemáticas. O ensino dominante não tem municiado os estudantes para conhecerem o mundo real e para o interpretarem (...)."

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu sou jurista e estou relativamente bem familiarizado com a análise económica do Direito. Portanto, estudei Micro e Macro-Economia (obviamente a um nível elementar) e a análise económica das leis e do comportamento dos sujeitos. Creio que tenho algumas qualificações para oferecer uma perspectiva - naturalmente rebatível - sobre o assunto.

O grande problema dos economistas que conheço - em particular dos que fazem análise económica do Direito - consiste em tomarem como um pressuposto absoluto dois critérios que podem ser debatíveis: (1) o do comportamento racional do seu humano e (2) da previsão dos comportamentos por modelos matemáticos.

A respeito do primeiro critério, qualquer jurista entende que a micro-economia ajuda a compreender os mecanismos de escolha do ser humano mas não esgota a acção humana. Não pode ser dogmatizada a ponto de entender que todos os agentes se vão comportar racionalmente perante uma dada situação. Bem pelo contrário, o ser humano comporta-se de forma perfeitamente irracional. Por exemplo o Direito Penal tenta analisar a eficácia das leis multiplicando a pena aplicável ao agente pela probabilidade de ser apanhado; afirma que um determinado agente terá mais incentivos a cometer um crime quanto menores forem as probabilidades de ser apanhado. Qualquer jurista habituado à realidade da vida e que tenha feito a via sacra dos tribunais sabe que não é assim: há gente que comete crimes sabendo que vai ser apanhado, pois são movidos por motivos que vão além do medo de sofrer a pena; e gente que não comete crimes mesmo sabendo que não vai ser apanhado, ainda que aquilo lhe trouxesse a máxima utilidade possível!

Isto serve de introdução ao segundo tema: os modelos matemáticos ajudam a compreender a eficiência económica das leis mas não são fundamento absoluto. O exemplo mais evidente disso é a questão da negociação colectiva: todos os economistas criticam a negociação colectiva por ser economicamente ineficiente, pois eleva o preço do trabalho por via de uma cartelização da força de trabalho e repercute o custo nos consumidores. Mas ainda assim a negociação colectiva é admitida em quase todos os países democráticos, ainda para mais os que demonstram elevados níveis de eficiência económica. Os beneficios da negociação colectiva (o combate à pobreza, a pacificação do mercado de trabalho, a estabilidade no posto de trabalho) traz benefícios colaterais que compensam largamente a eficiência económica que traria o abaixamento do preço do factor trabalho. Por exemplo, a elevação dos salários e a estabilidade de emprego que a negociação colectiva proporcionam permite aos sujeitos orientar o seu consumo para além do imediato e poupar quantias significativas que servirão para financiar actividades económicas por via do crédito.

Portanto tudo tem que ser temperado sobretudo com uma boa dose de bom senso. Como dizia Posner "não há nada mais perigoso do que um jurista que nao sabe economia"; mas o inverso também não deixa de ser verdade!