4.1.09

Temos a obrigação de dizer a verdade aos portugueses

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Cavaco alertou os seus insensatos súbditos para o contínuo aumento do endividamento do país ao longo dos últimos dez anos. Qual será a causa do fenómeno? Terão os portugueses perdido o juízo, ou haverá outra razão para ele?

Comecemos por perguntar-nos se terá ocorrido algo extraordinário na última década. Olha, é verdade: aderimos ao euro.

E que relação terá essa circunstância com o nosso endividamento? Tendo em conta as carências do país, era previsível que a descida da taxa de juro iniciada no final dos anos 90 incitasse o Estado, as empresas e os particulares a recorrerem mais ao crédito. Foi isso que aconteceu.

No passado, o excesso de endividamento externo resolvia-se aumentando a taxa de juro e desvalorizando o escudo. O país padecia durante um ano, mas, depois, as coisas regressavam à normalidade. Era uma espécie de operação ao apêndice: desagradável, mas eficaz.

Agora, porém, como estamos no euro, não podemos fazer isso. E, como a taxa de juro é fixada em função da situação do conjunto da zona euro, e não da nossa, estamos privados de política monetária própria.

Restaria então a política orçamental. Ao cabo de seis anos, o Estado português conseguiu conter o aumento do seu endividamento (um défice de 2,5% com uma inflação da mesma ordem significa que, em termos reais, o endividamento não aumenta).

Logo, o Estado fez a sua parte, mas as empresas e os particulares continuaram a endividar-se.

Resta a possibilidade de as contas do Estado gerarem um excedente suficientemente grande para compensar o endividamento privado. As contas são facéis de fazer: temos este ano um défice orçamental à volta dos 2,5% e um défice da balança de transacções correntes da ordem dos 8,5% que, a não ser compensado por investimento directo estrangeiro, terá de ser financiado por empréstimos. Logo, o problema resolver-se-ia se o Estado conseguisse um superavit de 6%.

Para isso, o Estado poderia aumentar os impostos num valor equivalente a 8,5% do PIB, ou, alternativamente, reduzir a sua despesa no mesmo montante. Utilizando um multiplicador moderado (qualquer coisa como 1,5), decorreria daí uma quebra do PIB da ordem dos 12%. Não é exagerado prever que o desemprego ultrapassaria os 20% da população activa.

Por outras palavras: para além de ninguém saber como é possível um corte na despesa pública desta ordem, a eventualidade da sua concretização lançaria o país na ruína e no caos.

Chegamos então à tal verdade que os portugueses precisam de compreender. A adesão ao euro foi, nas circunstâncias em que ocorreu, uma enorme insensatez, agravada pela elevada paridade atribuída ao escudo para ajudar o PSD a ganhar uma eleição que, afinal, até perdeu.

Para agravar mais a situação, o primeiro-ministro Cavaco Silva criou um mecanismo de progressão automática na carreira dos funcionários públicos garantindo que a massa salarial cresceria mesmo quando eles não fossem aumentados. Isto sem falar de que usou os dinheiros europeus para comprar o apoio das múltiplas corporações económicas e profissionais que mantêm o país refém.

Por outras palavras, Cavaco Silva fechou o cofre à chave e deitou-a fora. Agora, acusa-nos de não sermos capazes de abri-lo.

Se o actual Presidente tivesse a integridade intelectual e política de Alan Greenspan, reconheceria os erros que cometeu e pediria perdão por eles. Não sendo esse o caso, candidatou-se à chefia do Estado e usa o lugar que ocupa para nos pregar sermões.

No estado a que as coisas chegaram, o Estado português pouco pode fazer para facilitar e acelerar o processo de transição para uma nova estrutura empresarial mais competitiva. Resta-lhe dar tempo para que os mercados façam o seu trabalho, processo em que já consumimos toda a presente década e que ainda não sabemos ao certo quando estará concluído.

Eis a triste verdade que Cavaco Silva não tem coragem para reconhecer.
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7 comentários:

Anónimo disse...

A outra Verdade que aqui só está implícita tem a ver com a continuidade da participação de Portugal na zona do euro.

Eu sei que os primeiros dez anos do euro têm sido um sucesso para muitos dos participantes, e para alguns dos apoiantes incluindo Barry Eichengreen (quem diria...). Tal como foi a primeira experiência com o Padrão-Ouro, e a segunda até ao eclodir da Grande Depressão. Mas a outra Verdade, que foi muito bem demonstrada por Ben Bernanke e Harold James, é que os primeiros países a deixar o acordo foram os que mais cedo conseguiram recuperar da Depressão na Europa.

John Maynard bem avisou Churchill sobre a idiotice que foi o câmbio a que a libra esterlina se juntou ao Padrão-Ouro na segunda experiência.

João Pinto e Castro arrisca-se a ser o "Keynes" de Portugal do século XXI...

Obrigado.

F

Sibila Publicações disse...

Muita coisa certa neste texto, eu destacaria estas:

"A adesão ao euro foi, nas circunstâncias em que ocorreu, uma enorme insensatez, agravada pela elevada paridade atribuída ao escudo "

"No estado a que as coisas chegaram, o Estado português pouco pode fazer para facilitar e acelerar o processo de transição para uma nova estrutura empresarial mais competitiva. Resta-lhe dar tempo para que os mercados façam o seu trabalho"

Outra opção seria baixar todos os salários e aumentar a produtividade por trabalhador (sendo que os funcionários públicos aí teriam um grande contributo a dar).

Como este cenário ninguém quer também compreender, vamos remando, de governo em governo. Não há política que resista com estabilidade num cenário desses. Cavaco fugiu, Guterres deitou a toalha, Durão deitou a toalha, Santana foi despedido... Sócrates e seu governo estão barricados há 3 anos...

Enquanto isso, os media e os sindicatos exercem cada um do seu lado a sua demagogia.

GK disse...

Obrigada pelo insight. ;)
Há muitas coisas que Cavaco tem dificuldade em reconhecer...
BOM ANO!

Orlando disse...

Isso é tudo verdade, mas não desculpa o facto de Socrates estar agora a preparar-se para fazer dez vezes pior, pois não?

Anónimo disse...

"Restaria então a política orçamental. Ao cabo de seis anos, o Estado português conseguiu conter o aumento do seu endividamento (um défice de 2,5% com uma inflação da mesma ordem significa que, em termos reais, o endividamento não aumenta)."

Vamos la' ver. esse defice e' o racio do saldo orcamental (valor nominal) com o PIB (valor nominal tambem). Ou seja, quer numerador quer denominador estao a precos correntes. Dividindo, o efeito dos precos fica descontado.
Assim nao faz sentido dizer que em termos reais o endividamento nao aumenta. Logo nao faz sentido dizer que o estado cumpriu a sua parte. Bem longe disso. A conclusao de que o desemprego disparava para 20% se houvesse excedente orcamental (idealmente no valor das transferencias que Portugal recebe da Uniao Europeia) carece de fundamentacao tambem. Quanto ao resto, estamos bastante de acordo.

Anónimo disse...

"A conclusao de que o desemprego disparava para 20% se houvesse excedente orcamental (idealmente no valor das transferencias que Portugal recebe da Uniao Europeia) carece de fundamentacao tambem."

Só para deixar claro o meu ponto, eu não estou a falar de passar num ano de um défice de 4 ou 5% para um excedente de 2%. Estou a dizer que desde que quandio deixámos de controlar as taxas de câmbio e de juro devíamos ter seguido uma política que nos conduzisse, calmamente, para um excedente orçamental que contrabalançasse as transferências que recebemos da UE, ou seja de 2%. Aí, penso, que poderíamos dizer que o estado tinha cumprido o seu papel.

João Pinto e Castro disse...

Luis, tens razão em relação à questão do endividamento do Estado, evidentemente. Foi um "raciocínio" precipitado, de que me penitencio.