30.11.09

Do Dubai à Grécia

.


A declaração de insolvência da Dubai World marca uma viragem perigosa na crise financeira internacional.

Trata-se em rigor de uma empresa, não de um país, mas ninguém tem dúvidas que é de facto o Dubai no seu todo que está em causa. De modo que, depois dos sustos da Islândia e da Lituânia, regressa o receio de que alguns estados mais fragilizados entrem em incumprimento de pagamentos.

Na linha de fogo estão agora a Irlanda e a Grécia, mas, não por acaso, os receios centram-se no segundo país.

O problema é que a Grécia esbanjou o seu capital de confiança falseando sistematicamente ao longo da última década as suas estatísticas do produto, do défice e da dívida, de modo que há um receio fundado de que a situação seja ainda mais grave do que se pensa.

Acresce que a profunda divisão interna inviabiliza a introdução de medidas correctoras em tempo útil.

É isso que hoje nos diferencia da generalidade dos países com défices elevados. Portugal mostrou nos últimos anos que é capaz de fixar objectivos exigentes de consolidação das contas públicas e de cumpri-los.

Note-se, por exemplo, que, ao contrário de nós, vários dos países hoje em dificuldades ainda não adaptaram as suas seguranças sociais às novas circunstâncias decorrentes do envelhecimento da população.
.

Pequenas alegrias

.
Alegra-me o regresso do Lutz a uma intervenção mais regular no seu singular Quase em português, uma companhia que me tem feito muita falta nas suas longas ausências. Vou rezar para que dure.
.

A ignorância das multidões

.
Descobri recentemente numa aula de Mestrado, ao discutir-se o mercado nacional de telecomunicações móveis, que ninguém na turma fazia ideia de quantos habitantes tem Portugal.

Perante a minha surpresa, e como eu insistisse no assunto, uma aluna lá arriscou que deveremos ser uns 5 milhões. ao que outro retorquiu que apostaria mais em 15.

Um amigo consolou-me, fazendo-me notar que em média eles acertaram. É a isso que James Surowiecki chama, recordou ele, a sabedoria das multidões.

Não sei se me console com essa variante da sabedoria que descura o desvio padrão para só curar da média.

Que diabo, 10 milhões até é um número redondinho, fácil de recordar. Estas coisas mergulham-me numa angústia profunda.
.

Playlist 10 - Edu Lobo & Maria Medalha: Ponteio

.


Edu Lobo trouxe para a música popular brasileira uma nova energia, directamente inspirada nos afro-sambas de Vinicus e Baden Powell.
.

29.11.09

Em política o timing é tudo

.
Excelente timing do nosso parlamento ao cancelar o pagamento por conta do IRC:
The credit default swap spreads for Irish banks have widened signficantly — even relative to HSBC, with its direct Dubai involvement. In part, this is hedge funds betting that others will want to insure against the rising risk of an Irish default, but what’s the connection?

The thinking is that a partial bailout – with creditor losses – for Dubai from Abu Dhabi implies something about how Ireland will be treated within the European Union (and the same reasoning is also more vaguely in the air for Greece). This may make sense for three reasons.

1. If Dubai can effectively default or reschedule its debts without disrupting the global economy, then others can do the same.

2. If Abu Dhabi takes a tough line and doesn’t destabilize markets, others (e.g., the EU) will be tempted to do the same (i.e., for Ireland and Greece). “No more unconditional bailouts” is an appealing refrain in many capitals.

3. If the US supports some creditor losses for Dubai (e.g., because of its connections with Iran), this makes it easier to impose losses on creditors elsewhere (even perhaps where IMF programs are in place, such as Eastern Europe).

The main effect will be to strengthen the hand of Ben Bernanke in Fed policymaking discussions – so US interest rates will stay low for a long while.

If financial intermediaries draw the appropriate lessons from Dubai, Ireland, and Greece (and Iceland, the Baltics, Hungary, etc), they will be more careful about extending credit to places that are becoming overexuberant – even when it is cheap to increase debt levels.

Playlist 9 - Stan Getz, João Gilberto e Astrid Gilberto: Corcovado

.


O encontro de Stan Getz com João Gilberto (e do jazz com a bossa nova) foi não só um ponto alto das carreiras dos dois músicos, como também um momento mágico da história da música popular do século XX. A gente ouve durante décadas a fio e continua a achar que é tudo exactamente como deveria ser - o que pode valer como uma modesta definição da perfeição, ou, para ser mais exacto, da ilusão da perfeição.
.

28.11.09

Borboletas financeiras

.


No princípio da semana, o PSD indignou-se pelo crescimento do défice das contas públicas no corrente ano; mas, aproximando-se o fim de semana, votou a eliminação de um imposto, ou melhor, a eliminação da parte da receita do IRC correspondente ao pagamento por conta.

Miguel Frasquilho, um ornamento da academia portuguesa de cuja sensatez o país nada tem a esperar, explicou que, como Teixeira dos Santos afirmara que a consolidação orçamental só começará em 2011, o facto não tem importância de maior.

Mesmo descontando que Teixeira não disse precisamente isso - as nuances não deixam marcas no áspero cérebro do nosso Miguel - haveria a notar o seguinte:

a) A pergunta não era sobre as intenções de Teixeira dos Santos, mas sobre as dos alegres companheiros do pobre Miguel. Acham eles ou não que a redução do défice deve ser adiada para mais tarde? Para já - ou seja, até à discussão do orçamento que terá lugar dentro de semanas -, parece que acham.

b) Mesmo que a intenção do Ministro das Finanças estivesse a pensar em não reduzir o défice em 2010, isso não implica que deseje aumentá-lo, que é o que sucede quando o Estado perde receitas.

O PSD, que, desde a sua primeira passagem pelo governo, em 1979, nunca perdeu uma oportunidade de arruinar as finanças públicas para tentar ganhar umas eleições, descobriu agora que, afinal também é possível fazer a mesma coisa na oposição.
.

Playlist 8 - Laurindo Almeida & Modern Jazz Quartet: Samba de Uma Nota Só

.


O meu pai trazia sempre discos difíceis de encontrar por cá nas suas frequentes deslocações profissionais ao estrangeiro. Recordo quando chegou com o maravilhoso LP de Laurindo Almeida acompanhado do Modern Jazz Quartet. A guitarra de Laurindo Almeida, o piano de John Lewis e o vibrafone de Milt Jackson (por alcunha, o Bags) revelaram-me uma sonoridade fascinantemente límpida e inédita cujo ponto alto era a interpretação do Concierto de Aranjuez, que então descobri.
.

27.11.09

Como irá crescer o consumo nos EUA?

.


O normal é que, à saída de uma recessão, a procura cresça a taxas muito elevadas. O que, para já, vemos nesta, é uma tendência de crescimento claramente inferior à anterior.

Poderemos estar perante um primeiro indício de estagnação do consumo dos norte-americanos nos próximos anos.
.

Orçamentação por programas

.
A ler, no Jornal de Negócios de hoje, um informativo ponto de situação da reforma tendente a introduzir na administração pública portuguesa a "orçamentação por programas", inclundo uma entrevista com João Loureiro, o professor da Faculdade de Economia do Porto que coordenou a comissão nomeada por Teixeira dos Santos para estudar o assunto.

De vez em quando, os jornais lá arranjam algum espacinho para discutir os temas vitais para o país. Uma única observação crítica: o jornalista responsável pelo dossiê parece acreditar que uma reforma deste tipo depende apenas de se dar uma ordem para avançar. Imaginará ele que este tipo de gestão de recursos se pratica em muitas empresas privadas portuguesas de qualquer actividade ou dimensão?
.

Playlist 7 - Billie Holiday: Strange Fruit

.


Só muito tardiamente - já homem feito - conheci esta canção, mas, sendo uma das minhas favoritas, escolhi-a para representar Billie Holiday nesta Playlist. Encontrei outros registos com melhor qualidade sonora no YouTube; todavia, prefiro-lhes esta interpretação só com aompanhamento de piano.
.

26.11.09

.

.

Rudimentos de economia pacóvia

.
Se o último ano demonstrou algo, foi que não importa que nos portemos financeiramente mal, desde que nos portemos um nadinha melhor que os outros.

Que interessam os défices portugueses, se a ousadia dos EUA, da Inglaterra, da Irlanda, da Espanha ou da Grécia nos colocam na invejável posição de esbanjadores envergonhados?

Metam isto na cabeça: a partir do momento em que meio mundo partilha da nossa desgraça, encontramo-nos em boa e sólida companhia. A dívida, chegadas as coisas a este ponto, é um problema tão grave para os credores como para os devedores.

A presente crise tem na sua raíz um excesso de poupança, com a particularidade de ele se encontrar concentrado num punhado de países: China, Japão, Alemanha e pouco mais.

Estes países queriam ao mesmo tempo produzir cada vez mais e conservar balanças comerciais largamente excedentárias. Ora, isso só é possível se eles emprestarem a outros para eles lhes comprarem o que produzem em excesso. Quando estes últimos atingiram o limite das suas capacidades de endividamento, o motor gripou.

Curiosamente, a China, o Japão e a Alemanha parecem convencidos, contra toda a evidência, de que podem continuar a jogar o jogo mercantilista. A chanceler Angela Merkel (um caso de rara perspicácia) não entende que só se pode vencer Mercedes se alguém comprar Mercedes. O governo chinês persiste em manter o valor da sua moeda colada ao dólar para assegurar que as t-shirts permanecem baratinhas. O Japão medita há duas décadas no assunto.

Só é possível uma saída airosa da crise se os países com excesso de poupança pouparem menos e os países com carência de poupança pouparem mais. Se os segundos se emendarem, mas os primeiros teimarem - que é o que está a acontecer -, a tendência será para a estagnação duradoura e a permanência de elevado desemprego, porque, globalmente, a poupança aumentou ainda mais.

Nos países com poupança mais baixa, as empresas e os consumidores inverteram drasticamente os seus comportamentos. Consomem e investem agora menos e, logicamente, aforram mais. A única maneira de evitar o colapso económico é a intervenção massiva dos governos para suprir a quebra abrupta da procura efectiva.

Mas isso implica o aumento dos défices públicos e, excluído o seu financiamento pela emissão de moeda, o crescimento brusco do endividamento público. Felizmente, para já, o excesso de poupança a nível mundial encarrega-se de manter as taxas de juro a um nível muito rasteirinho.

Como irá tudo isto acabar? Não sabemos, mas uma coisa vos garanto: o que quer que seja não depende em nada de nada daquilo que façamos cá na santa terrinha. Neste particular, cumpre-nos apenas cuidar de não dar demasiado nas vistas.

Só um provinciano incurável não entende isto.
.

Playlist 6 - Ella Fitzgerald: A Tisket A Tasket

.


O que quer dizer "A Tisket A Tasket"? Ainda hoje não sei, mas é seguro que a estranheza da lenga-lenga e a sonoridade da aliteração contribuiram para fixar obsessivamente a canção no meu espírito. A versão original de Ella Fitzgerald desta musiqueta infantil é de 1938.
.

25.11.09

Playlist 5 - Mahalia Jackson: Down By The Riverside

.


Louis Armstrong (por alcunha Satchmo, o boca de saco) gravou em 1958 um excelente LP de espirituais negros. Não encontrando nenhum bom registo no YouTube, aproveitei a oportunidade para introduzir aqui a prodigiosa Mahalia Jackson. Não ficámos a perder com a troca.
.

23.11.09

O endividamento explicado às crianças

.
Vamos lá a ver se a gente se entende: o súbito agravamento do endividamento dos estados não é causado pelas políticas de combate à crise; é causado pelo colapso do sistema financeiro que causou a crise. Percebido?

Acontece que, em virtude dessa infeliz mas não inocente circunstância, o desemprego atingiu níveis inauditos em quase todo o mundo. Deitar a mão aos bancos foi uma tremenda injustiça, mas uma injustiça, para já, inevitável. Era o que faltava que os estados não tentassem agora fazer tudo o que está ao seu alcance para mitigar o sofrimento das dezenas de milhões de desempregados que, não tendo a mínima responsabilidade no sucedido, foram, porém, as suas verdadeiras vítimas.

Ninguém em seu perfeito juízo acha que o endividamento não tem importância nenhuma. Mas certos malucos permitem-se achar que é a única coisa importante.

Até onde terá que crescer o endividamento? Confesso que não sei.

Se tudo voltasse rapidamente à normalidade, a intervenção pública deveria reduzir-se rápida e drasticamente. Mas eu não acredito que a economia vá regressar rapidamente à normalidade, de modo que o mais natural é que os estados não possam deixar de sustentar a procura e o emprego nos próximos tempos.

Não baralhemos, pois, as coisas. A responsabilidade dos custos extraordinários que todos suportaremos não deve ser atribuída aos desempregados, mas aos que lucraram com a bolha que nos trouxe até aqui e aos que justificaram os seus actos com teorias tontas e interesseiras.

A finalizar, um último ponto. O que vem a ser, precisamente, um nível de endividamento público excessivo? Sessenta por cento, oitenta por cento, cem por cento do produto? E por quê?

Para nos situarmos, considerem que qualquer família que adquira casa própria costuma endividar-se numa proporção bem superior a 100% do seu rendimento anual. Por hoje, fiquemos por aqui.

Próxima paragem: as consequências do endividamento público sobre o nível das taxas de juro.
.

Mercados ou ratings?

.
É um facto: os extremistas liberais certificados pelas mais ortodoxas universidades deixaram de orientar-se pelos sinais do mercado.

Como os mercados financeiros não confirmam os seus dramáticos alertas sobre o alegado endividamento excessivo dos estados, a autoridade que agora veneram é a das agências de rating (as agências de rating, meu Deus!).

As taxas de juro dos títulos da dívida pública mantêm-se a níveis razoavelmente baixos, mesmo as dos países com maior risco. Em contrapartida, as agências de rating baixam os índices de solvabilidade dos Estados. Quem estará mais próximo da verdade?

O sectarismo da argumentação contra a intervenção pública massiva visando impedir uma maior degradação do emprego tem destes paradoxos.
.

Playlist 4 - Louis Armstrong: When It's Sleepy Time Down South

.


O Louis Armstrong dos anos 50 já não era a personagem musical central que fora vinte anos antes. Mas, a mim, atraía-me então principalmente o jazz clássico. When It's Sleepy Time Down South é talvez o supremo standard de todos os tempos. Composta em 1931, a canção terá sido gravada por Armstrong mais de cem vezes. Aqui uma cena de um filme de 1942 com a sua participação, incluindo um belíssimo solo de cornet, que era como se chamava o instrumento antes de assumir a designação mais sofisticada de trompete.

Dear old southland with his dreamy songs
Take me back there where I belong
How I'd love to be in my mammy's arms
When it's sleepy time down south
Sleepy time down south
.

22.11.09

Playlist 3 - California Ramblers: When Erastus Plays His Old Kazoo

.


Um dos temas do EP dos Black Bottom Stompers referido no anterior post era este electrizante When Erastus Plays His Old Kazoo. Nunca encontrei uma gravação dele em CD tocada pelo Johnny Dodds. Idem na internet, de modo que aqui fica a excelente interpretação dos California Ramblers.
.

21.11.09

Toda a gente a dormir

.
A British Airways está entre as maiores transportadoras aéreas nas ligações entre a Europa e a América do Norte e Central. A Ibéria domina o tráfego aéreo no Atlântico Sul. Foi anunciada a fusão das duas.

Um porta-voz da TAP assegura que a transportadora nacional não será afectada pela operação. O Expresso de hoje concorda: "Fusão anglo-ibérica não afecta Portugal". (Será isto uma notícia?)

Portugal sempre foi historicamente o aliado ibérico preferencial do Reino-Unido em tudo o que respeita ao Atlântico Sul. Neste caso, porém, foi posto de parte.

A localização geográfica do país só não será irremediavelmente periférica se funcionar como plataforma de articulação com outros espaços. No caso do transporte aéreo, esses espaços só podem ser a África e a América do Sul.

Como pode alguém pretender que, isoladamente (ou melhor, desintegrada de uma aliança que reforça a sua posição no espaço atlântico), a TAP tem condições para competir com êxito contra a Ibéria e a British Airways associadas?

O problema da orientação estratégica da TAP arrasta-se há anos sem que o assunto mereça a atenção devida da opinião pública, dos partidos ou do governo. Não resta muito tempo nem muita margem de manobra.
.

Playlist 2 - Johnny Dodds: Stomp, Stomp, Stomp

.


Um dos primeiros discos que comprei (na Havaneza de Alvalade) era um EP 45 rpm dos Johnny Dodd's Black Bottom Stompers. Uma excelente compra, que recomendo sem reservas.
.

20.11.09

Playlist 1 - Duke Ellington: Don't Mean a Thing If It Ain't Got That Swing

.


O jazz das big bands é a mais antiga preferência musical genuina que recordo, a começar por Duke Ellington e Count Basie, mas abrangendo também Glen Miller e, anos mais tarde, Gil Evans (que então ignorava). O volume sonoro é para mim desde sempre, em si mesmo, fonte de prazer estético.
.

19.11.09

Como fazer o Estado trabalhar mesmo mal

.
Por que funciona às vezes tão mal o Estado português? Ora, porque foi organizado para funcionar assim.
.

18.11.09

Dave Douglas Brass Ecstasy: Tiny Desk Concert

.

.

17.11.09

Eterno retorno

.


É algo deprimente ficar-se a saber que, nos longínquos anos 30, as objecções à proposta keynesiana de obras públicas como forma de combater o desemprego pouco se distinguiam das de hoje: desvalorização do efeito multiplicador, risco de crowding-out, temor do aumento da taxa de juro, receio do endividamento.

Outra semelhança com a actualidade bem documentada na biografia de John Maynard Keynes escrita por Robert Skidelsky: os argumentos utilizados estribavam-se essencialmente na fé em modelos abstractos sem réstia de fundamentação empírica.

Se, por infelicidade, esses sujeitos tivessem ganho o debate político, a democracia liberal poderia não ter sobrevivido para chegar até aos dias de hoje. Mas eles continuam a tentar...
.

Lição de liderança

.


Lawrence Foster, maestro titular da Orquestra Gulbenkian, aproveitou na 5ª feira última o intervalo entre duas peças para anunciar que aquele seria o último concerto do contra-baixista Alejandro Oliva antes de se reformar.

As palavras que na altura lhe dirigiu não foram de mera circunstância. O elogio que Foster endereçou a Oliva destacou em breves mas precisas palavras a personalidade daquela pessoa, acerca de quem, até àquele instante, quase tudo ignorávamos.

Foi evidente o que significou para Oliva a homenagem que o seu maestro e o público lhe prestaram num dia para ele decerto carregado de emoções contraditórias.

Mas não esqueçamos a mensagem implícita endereçada a todos os outros músicos da Orquestra: "Este maestro aprecia-vos como indivíduos e agradece-vos do fundo do coração a insubstituível contribuição que cada um dá para o sucesso do grupo e a felicidade do público".

Chama-se a isto capacidade de liderança.

16.11.09

Quantos GRPs custa um Rolex?

.
Não é justo dizer-se que a investigação judicial portuguesa não obtém resultados.

Sem Casa Pia, Maddie, Apito Dourado, submarinos, Freeport, Media Capital ou Face Oculta, de que viveriam os nossos media? A nossa justiça, baça em matérias da sua estrita competência, brilha a grande altura na produção de conteúdos.

Fugas de informação ajudam a vender muito papel e muito espaço publicitário. Querem fazer umas continhas para estimar quanto vale 1% de audiências (1 GRP em jargão técnico) em horário nobre de televisão?

Deveremos então acreditar que essas fugas são gratuitas? Será que, por definição, não pode haver corruptos nos órgãos encarregados de investigar a corrupção?

Acresce que, ao contrário de muitos dos alegados crimes que têm vindo a público, estes, ao menos, nós temos a certeza de que sucederam, embora ignoremos as suas motivações e contrapartidas.
.

11.11.09

Não acredito em corruptos; mas que os há, há

.
Concordo inteiramente com o Daniel Oliveira, quando ele escreve:
"Quantos mais nomes e suspeitas aparcerem na comunicação social, mais confusa ficará a investigação “Face Oculta”, mais difuso será o alvo deste processo, mais longe estaremos da justiça. Já vimos este filme. Sabemos como acaba. E os corruptos também sabem."
Agora, reparem numa coisa: o Daniel sentiu-se na necessidade de escrever o último período para não poder ser acusado de estar a tentar proteger o Sócrates.

Este mero detalhe demonstra como, nos tempos que correm, as pessoas que defendem o Estado de direito e a decência são obrigadas a adoptar uma atitude defensiva.

Isto é, em si mesmo, muito grave.
.

Too big to fail

.

.

"Estou farto de defender José Sócrates"

.
"Estou farto de defender José Sócrates", escreveu hoje o Pedro Marques Lopes - e como eu o compreendo!

É certo que, ao contrário do Pedro, eu considero o Sócrates o melhor primeiro-ministro que o país tem desde há muito tempo, talvez o melhor de sempre.

Mas a minha identificação com as políticas dos seus governos é parcial. Divirjo deles em muitas questões fundamentais, desde logo em relação a grande parte das suas políticas económicas, o que não é dizer pouco.

Desagradam-me a patente improvisação na definição de linhas estratégicas, a incompetência na coordenação de projectos de algum fôlego e a insistência em estendais de medidas sem nexo e de escasso ou nulo alcance. Indispõe-me, acima de tudo, uma certa atitude saloia perante tudo o que parece moderno e tecnologicamente avançado.

Acima de tudo, porém, distancio-me do modo como o PS faz política. Vejo - como toda a gente vê - a promoção pública de arrivistas medíocres cuja única recomendação é o cartão do partido. E apercebo-me - como toda a gente se apercebe - dos bandos de amigos sem ideal que circulam entre a política, os negócios e os media.

Tudo isso é verdade. Mas não é menos verdade que o cadáver putrefacto insepulto que é o actual PSD se encarrega de empestar tudo e todos à sua volta, esforçando-se por levar consigo para o túmulo o regime e a democracia liberal.

Aquilo a que por este dias estamos a assistir é à deterioração paulatina do nosso viver colectivo - e já não só do sistema político - friamente desejada e planeada por alguns que se ocupam de envenenar as consciências e destruir qualquer réstea de idealismo que ainda possa sobrar no país.

De modo que a prioridade de qualquer pessoa sensata tem que ser cerrar fileiras em torno dos princípios essenciais do Estado de direito e resignar-se a deixar para segundo plano divergências relativas a questões que a mim me interessam bem mais.

Por isso, eu digo como o Pedro:

"Estou muito mais farto de gente que despreza valores e princípios fundamentais duma democracia. Gente que não percebe que isto nada tem a ver com luta política. Gente que gasta o tempo todo com intrigalhadas de vão de escada e se esquece de criticar políticas e apresentar alternativas."

Ao contrário dele, porém, não creio que estejamos "condenados a viver ad aeternum sob o poder socialista". Estamos, apenas e só, condenados à apagada e vil tristeza que, afinal, para tanto trampolineiro, parece ser a suprema ambição de vida.
.

10.11.09

A república dos economistas

.


Robert Skidelsky adianta uma surpreendente tese na sua superlativa biografia de John Maynard Keynes.

Sustenta ele que o debate em torno de The Economic Consequences of Peace, publicado por Keynes em 1919, determinou uma mudança crucial da actividade política no sentido do predomínio dos temas económicos e das opiniões dos economistas.

Ao pintar de forma convincente os políticos tradicionais como indivíduos basicamente impreparados para lidarem com as grandes questões do século XX - e, desde logo, com as financeiras -, Keynes apresentou simultaneamente a candidatura da classe dos economistas à produção das ideias capazes de assegurarem a prosperidade geral.

Nas palavras de Skidelsky: "Keynes was staking the claim of the economist to be Prince. All other forms of rule were bankrupt."
.

9.11.09

Liberais à moda antiga

.


Em 1929, o Partido Liberal Britânico liderado por Lloyd George, apresentou-se às eleições com um programa de obras públicas destinadas a combater o desemprego.

Os conservadores - o "partido da estupidez", chamava-lhes Keynes - opunham-se-lhe, argumentando que o desvio de poupanças para o investimento público conduziria à subida da taxa de juro e, desse modo, reduziria o investimento privado.

A vitória sorriu ao Partido Trabalhista, que pôs em prática esse programa.

Às vezes, os nomes mudam mais do que as coisas.
.

O Santo

.


O que Jerónimo de Sousa e o PCP pensam sobre a queda do Muro de Berlim, ao menos, toda a gente percebe.

Já o mesmo não se poderá dizer da prosa enrolada que a efeméride desencadeou em Francisco Louçã e de que destaco o ponto alto no qual desce mais baixo:
"Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, floresce assim a ideologia contentatória: o comunismo acabou, diz Saramago e repete, com gosto evidente, António Vitorino. Frágil ilusão, contudo, pois continuou a ser possível ser cristão depois da Inquisição, social-democrata depois da votação dos créditos de guerra e mesmo depois do assassinato de Rosa Luxemburgo, e até continuou a ser possível ser economista liberal depois da grande depressão de 1929."
Significará isto que Louçã continua a ser comunista? Deixo o enigma à vossa consideração, já que ele se recusa a esclarecê-lo. Entretanto, aqui fica mais uma pista:
"O século XX começou em 1905 com o Soviete de Petrogrado e terminou em 1989 com a queda do muro de Berlim."
Ora, quem foi o chefe do Soviete de Petrogrado? Nada menos que Leon Trotsky.

Notas finais:
1. Comparem o relambório de Louçã com a sinceridade do testemunho do Daniel Oliveira.
2. Alguém, por favor, explique ao Louçã que "Vinte Anos Depois" não é "o último livro da saga dos Mosqueteiros"; depois desse ainda houve "O Visconde de Bragelonne", que inclui o célebre episódio do Homem da Máscara de Ferro. Pois é, todos temos o nosso momento Tomás More.

8.11.09

Todo o Poder ao Soviete dos Magistrados

.
Imaginem um país onde alguns investigadores se dedicavam a perseguir pessoas em vez de inquirirem crimes. Imaginem, além disso, que eles faziam sistematicamente chegar aos jornais informações seleccionadas alegadamente recolhidas no decurso dessas devassas.

Considerem ainda a possibilidade de comentaristas cúmplices ou imbecis exigirem com grande alarido nas televisões a demissão dos arguidos ou meros inquiridos titulares de cargos públicos. E suponham que cada vez mais pessoas começavam a aceitar a ideia de que a regra se deveria estender a gestores de empresas privadas.

Para completar o retrato, fantasiem que o processo era apoiado e instigado por sindicatos de magistrados.

Decorre daqui com a brutalidade de uma dedução lógica que esse país não poderia ter governantes ou dirigentes que não fossem previamente aprovados pelos tais investigadores.
.

A teia

.
Após um breve interregno forçado pelas eleições (que, como se sabe, só servem para gastar dinheiro) o protagonismo na nossa vida política regressou, como é normal e louvável, aos Martins, aos Palmas e às Moura Guedes; às escutas e às fugas de informação; às declarações dos sindicatos dos magistrados e do Procurador-Geral da República; às movimentações nos bastidores de fontes anónimas, investigadores diligentes e jornalistas militantes.

Um dia, quando eles se zangarem, talvez venhamos a ter acesso às escutas que fazem uns aos outros. Nesse dia entenderemos como funciona a república dos bufos e quem a comanda.
.

6.11.09

Louçã, outra vez

.
Louçã afirmou ontem na Assembleia da República: "O Primeiro-Ministro gasta três vezes mais no BPN do que na crise económica".

Quando alguém afirma algo que sabe ser falso para daí tirar vantagem, esse alguém está a mentir.

Ora, nem o primeiro-ministro, nem o governo, nem o Estado gastaram um tostão sequer no BPN.

A verdade é outra: a Caixa Geral dos Depósitos, banco do Estado, emprestou dinheiro ao BPN, banco recentemente nacionalizado na sequência das tropelias que se sabe.

Primeiro ponto: emprestar dinheiro não é dar dinheiro, como entende qualquer pessoa que já contraíu um empréstimo à habitação.

Segundo ponto: como o BPN foi nacionalizado para evitar a sua falência, é claro que quaisquer perdas ou lucros que venha a ter reverterão para o Estado.

Terceiro ponto: é possível, mas não seguro, que o Estado possa vir a ter que meter dinheiro no BPN.

Quarto ponto: como o público ainda não sabe qual a situação do BPN neste momento, ninguém pode afirmar que o Estado lá gastará três vezes qualquer quantia que se entenda tomar como termo de comparação.

Logo, tudo o que Louçã disse na sua pequena frase é mentira.

A isto, já me contra-argumentaram que o Estado ainda não pôs dinheiro no BPN, mas que no futuro poderá pôr. E eu respondo que amanhã Louçã poderá deixar de mentir, mas que, até hoje, não fez outra coisa.

Isto é muito grave, especialmente porque, sendo Louçã economista, ele não pode ser vítima de confusões que se desculpariam em leigos na matéria. Mente e sabe que mente.

Acresce que, para além do que literalmente afirma, Louçã insinua. Desde logo, insinua que o governo e o primeiro-ministro voluntariamente desviaram dinheiro que poderia aliviar a condição dos pobres em proveito de Oliveira e Costa, Dias Loureiro e seus amigos.

Mais uma vez, Louçã sabe que isto é falso. A intervenção do Estado no BPN destinou-se a evitar um mal maior, do qual as principais vítimas seriam aqueles que arduamente ganham a vida com o seu trabalho.

Nada disto me surpreende. De um trampolineiro como Louçã não se poderia esperar outra coisa, nem sequer que algum dia se emende.

Mas eu gostaria de entender como é possível ele mentir repetidamente de forma tão evidente durante meses a fio com a aparente cumplicidade de todos os seus camaradas de partido.

Serão todos demasiado ignorantes ou demasiado desonestos para se oporem a uma forma tão reles de fazer política?
.

5.11.09

Muito estranho

.


O Barómetro Político da Marktest mostra que o optimismo dos portugueses em relação à situação económica própria e do país tem crescido de forma consistente desde Maio de 2008. Não admira que vocês nunca tenham ouvido falar disto.
.

4.11.09

O Estado sapateiro

.
Anos a fio, a Aerosoles foi-nos apresentada como um caso de sucesso empresarial português, um exemplo de modernização e internacionalização bem sucedida.

Quando começa a crise, porém, vai-se a ver e descobre-se que, afinal, o capital da empresa é detido maioritariamente pelo Estado português, directa ou indirectamente (através de fundos públicos de capital de risco), em parceria com investidores privados.

Ora, eu gostaria de perceber que sentido faz o Estado sair da petroquímica e das telecomunicações para ir meter-se em fábricas de sapatos. Que espécie de superior interesse estratégico é defendido por políticas deste tipo? Que critérios orientam a escolha deste ou daquele projecto, deste ou daquele parceiro privado?

Mais: que sentido faz o Estado português deter sociedades de capital de risco? Que propósitos e que objectivos estratégicos foram atribuídos a essas sociedades? Quem e como avalia o que elas andam a fazer? A quem prestam contas? E assim sucessivamente.

Quem, como eu, acredita que a política económica tem um papel a desempenhar no reforço da competitividade das empresas portuguesas, inquieta-se, ademais, com o descrédito que situações como esta inevitavelmente lançam sobre a intervenção do Estado.

Este caso veio a público há cerca de um ano. Curiosamente, nem a quezilenta oposição nem os vociferantes media parecem interessar-se por ele.

Os nossos liberais domésticos prestariam um grande serviço à pátria se, em vez de se refugiarem em declarações doutrinárias sobre as vantagens da liberdade de iniciativa, tentassem descobrir quantas mais Aerosoles há por aí acoitadas sob as saias do Estado.
.

Roubini tentando chatear o Maradona

.












Se não gostam do Roubini, reparem ao menos na entrevistadora, ao minuto 4:37.
.

3.11.09

À beira do corte definitivo de relações com o Maradona

.
Atrevendo-me a persistir na mesma onda de catastrofismo universal que tanto tem indisposto contra mim o Maradona, eu desconfio muito que Peter Tasker está certo quando prevê que, não tarda muito, a China vai estatelar-se ao comprido:
"At its peak, the grounds of the Imperial Palace in Tokyo had a greater theoretical value than the entire state of California. By then there was no way out – asset market collapse and financial system wipe-out were baked in the cake.

"If China continues to follow the Japanese template, the end of the dollar peg will be the trigger event, setting off a Godzilla-sized credit binge. Why would China’s rulers embark on a such a disastrous course? Because the alternative – unleashing deflationary forces stored up over years of mercantilist policies – would be too painful to contemplate. That was the choice made by Japanese policymakers, who had a hundred years’ experience of managing a quasi-capitalist economy.

"This time a denouement would be one of the biggest bubbles in history, probably in scale and certainly in number of people involved. Could China weather the subsequent financial turmoil as stoically as Japan? It seems unlikely; at the least, its ascent to global hegemony would suffer a brutal interruption."
E o que interess a China? Nada, excepto ser a prosperidade deles que tem alimentado a máquina de crédito do resto do mundo.

A coisa boa é que, na eventualidade de as coisas darem mesmo muito para o torto, a gente vai deixar de preocupar-se com a selecção nacional.
.

2.11.09

.


Monet: Nenúfares (detalhe).
.

É isto mesmo que eu penso

James Kwak diz exactamente o que penso muito melhor do que eu alguma vez seria capaz de fazer:
"I am willing to listen to utilitarian arguments against redistribution (e.g., high marginal tax rates reduce the incentive to work, blah blah blah blah blah); I may not agree with them, but they are a plausible position. However, I have little patience for the idea that rich people deserve what they have because they worked for it. It’s just a question of how far back you are willing to acknowledge that chance enters the equation. If you are willing to acknowledge that chance determines who you are to begin with, then it becomes obvious (to me at least) that public policy cannot simply seek to level the playing field, because that will just endorse a system that produces good outcomes for the lucky (the smart and hard-working) and bad outcomes for the unlucky. Instead, fairness dictates that policy should attempt to improve outcomes for the unlucky, even if that requires hurting outcomes for the lucky. But given that society is controlled by the lucky, I’m not holding my breath."

Dia das Bruxas, again

.
Por que subiram tanto as bolsas mundiais, se os resultados das empresas não parecem justificar esse optimismo?

Nouriel Roubini acredita que se trata de uma nova bolha alimentada por dinheiro barato. Para além das taxas de juro serem quase nulas, quem se endivida em dólares que se desvalorizam todos os dias está de facto a contrair empréstimos a taxas negativas:
"Let us sum up: traders are borrowing at negative 20 per cent rates to invest on a highly leveraged basis on a mass of risky global assets that are rising in price due to excess liquidity and a massive carry trade. Every investor who plays this risky game looks like a genius – even if they are just riding a huge bubble financed by a large negative cost of borrowing – as the total returns have been in the 50-70 per cent range since March."
Se a interpretação estiver correcta, o futuro não se afigura brilhante:
"This unraveling may not occur for a while, as easy money and excessive global liquidity can push asset prices higher for a while. But the longer and bigger the carry trades and the larger the asset bubble, the bigger will be the ensuing asset bubble crash. The Fed and other policymakers seem unaware of the monster bubble they are creating. The longer they remain blind, the harder the markets will fall."

.

Bons tempos

.
Na época em que trabalhei na Victor Cordon havia nas traseiras do São Luís um arrumador de bigodinho negro impecavelmente aparado e olhos mortiços, identificado com o respectivo boné passado pela câmara, que alugava lugares de estacionamento em cima do passeio ao mês.

Quem lhe pagava, podia ir trabalhar tranquilo; quem não esportulava a avença, era multado pela polícia. O marmanjão nem se levantava da cadeirinha para vir receber o dinheiro ou negociar o contrato. Quem quisesse, que fosse até ele e pedisse com muito bons modos.

O Governo Civil ficava, e fica, a cinquenta metros. Bons tempos em que não havia corrupção em Portugal.
.