7.12.09

Um keynesiano condicional

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Quem terá inventado essa superstição absurda segundo a qual, para entender uma obra, não é preciso conhecer o seu autor? Falso, mil vezes falso.

Para o entender basta mergulharmos nas 850 páginas (na versão reduzida!) da colossal e minuciosa biografia de John Maynard Keynes que Robert Skidelsky laboriosamente redigiu.

A geração de Keynes nasceu e cresceu na última fase da época vitoriana, num clima de transbordante optimismo e auto-confiança, pelo menos no que tocava às classes dirigentes da Inglaterra imperial. O jovem Maynard fazia parte de uma seita de jovens algo lunáticos - o grupo de Bloomsbury, cuja figura mais destacada foi Virginia Woolf - que questionavam a moralidade e os preconceitos vigentes, o que, por exemplo, fez de quase todos os homens homossexuais militantes.

Essa independência de espírito não conflituava, porém, com a crença na intrínseca bondade das instituições centrais da sociedade britânica.

Mas em 1914 - teria Keynes acabado de completar trinta anos, quase tudo o que lhe restava de vida - começou a I Guerra Mundial, que marcou o início de três décadas consecutivas de miséria, caos, guerra, opressão crescente e, sobretudo, desesperança.

A vida de Keynes foi decerto muito diferente do que imaginara. Mas o seu envolvimento nos grandes debates político-económicos domésticos e internacionais do seu tempo, impulsionado por um forte sentido de serviço público, permitiu-lhe transformar a infelicidade em grandeza.

Mais do que um teórico, ele era um homem de acção, em última análise disposto a prescindir de esquemas abstractos em favor de projectos viáveis e sensatos. Toda a sua obra económica deve ser lida e interpretada a esta luz, não restando grandes dúvidas de que, se ainda fosse vivo, só condicional e relutantemente aceitasse o epíteto de "keynesiano".

A sua perspectiva da economia não era compatível com as "ilusões científicas" de que a disciplina hoje quase universalmente padece. Talvez concordasse, por isso, que todas as teorias são erradas, mas algumas são úteis.

Desta exigente leitura, que tanta coisa me ensinou, resulta antes de mais uma grande admiração por uma geração de pessoas decentes e esforçadas que, em todo o mundo, lutou nesse período pela preservação dos fundamentos da civilização, e que, no final, triunfou no seu propósito contra todas as expectativas.
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