6.1.10

Todos no mesmo barco

Vítor Bento recomenda o artigo de Martin Wolf no FT de hoje sobre a situação dos países do euro com mais preocupantes desequilíbrios financeiros e suspira: "Pode ser que, quando os profetas são de fora, as suas profecias sejam melhor aceites".

Quer dizer:

1. Vítor Bento acredita que só ele, Medina Carreira e mais alguns profetas estão a par dos problemas financeiros do país.

2. Vítor Bento insinua que Martin Wolf partilha o seu diagnóstico sobre os nossos problemas.

Duplo engano. Sobre o primeiro não acrescentarei nada. Acerca do segundo, repetirei a citação de Wolf que o Galamba já hoje aqui reproduziu:

"The crisis in the eurozone’s periphery is not an accident: it is inherent in the system. The weaker members have to find an escape from the trap they are in. They will receive little help: the zone has no willing spender of last resort; and the euro itself is also very strong. But they must succeed. When the eurozone was created, a huge literature emerged on whether it was an optimal currency union. We know now it was not. We are about to find out whether this matters."

Como sabe toda a gente que tenha lido o interessantíssimo livro de Vítor Bento, isto é tudo o contrário do que ele defende. Bento explica logo nas primeiras páginas que os portugueses degeneraram a partir de meados da década de 90, trocando o esforço da formiguinha pelo vício do consumo e do endividamento. Por outras palavras prescinde da análise económica para se comprazer na prédica moralista. Como seria de esperar, não tem verdadeira solução a propor que não a reforma dos costumes.

Pelo contrário, eu acho que as nossas dificuldades não resultam de qualquer deficiência da raça, mas do modo despreocupado e irresponsável como fomos levados a entrar no euro.

Como diz Wolf - e eu concordo - a falha é inerente ao sistema, razão pela qual hoje afecta entre 1/3 a 1/2 da população europeia que usa o euro. Portugal está acompanhado de vários outros países, incluindo a Grécia, a Irlanda, a Espanha e a Itália. O Reino Unido não estará melhor, mas não integra a zona euro.

Daí decorre outra consequência importante. Nós temos que fazer a nossa parte, mas, no essencial, o problema do euro tem que ser resolvido pela UE, quem a chanceler Angela Merkel e Vítor Bento concordem ou não. E isso pela simples razão de que as dificuldades dos devedores não podem deixar, mais tarde ou mais cedo, de afectar os credores.

Não, caro Vítor Bento, o que nos distingue não é o conhecimento das estatísticas. É o diagnóstico da situação e o que propomos para superá-la.

3 comentários:

jj.amarante disse...

Eu lembro-me de não gostar de viver com os escudos, tendo a sensação que o governo estava sempre a mexer no meu bolso. Mesmo assim, com o Escudo, não me esqueço de num ano, com o Cavaco, ter pago impostos a dobrar, o Complementar e o IRS.
Mas agora que já estamos com o euro presumo que a solução não será sair do clube.

João Pinto e Castro disse...

É claro que sair do euro não é a solução.

Rui Monteiro disse...

Caro João Pinto e Castro,

Li há uns tempos o livro de Vítor Bento e encontrei lá coisas notáveis. Propunha-se uma redução dos salários nominais, que seria acompanhada por uma redução administrativa dos preços dos bens e serviços não transaccionáveis. Mas, mais à frente, VB lá vai adiantando que a preparação e implementação de tais medidas seria de uma enorme complexidade. Enfim, lá admite que é mais fácil falar do que fazer. E conclui magnificamente dizendo que teria que ser previsto um mecanismo de aceleração do ajustamento de preços para evitar um demorado processo deflacionista que contraria os objectivos da medida. Quanto a esse milagroso "mecanismo" VB não adianta nada. Eu sei que "mecanismo" seria esse. Com a actual situação de crise internacional, estas medidas gerariam uma recessão sem fim à vista. O famoso "mecanismo" seria o de revogar uma a uma as medidas salvadoras propostas por VB.
O problema deste tipo economista é que julga que todos os outros são irresponsáveis. Que não conhecem a situação nacional em matéria de endividamento externo. Que não reconhecem as nossas debilidades estruturais em matéria de competitividade. Etc.etc. Todos nós sabemos isso. O que gostaríamos é que nos dessem soluções exequíveis e não nos propusessem sempre o Mito de Sísifo.
Parafraseando o elogio de Stiglitz a Phelps, precisamos, acima de tudo, de uma economia da acção e não de uma economia da resignação.