15.5.10

Ousar lutar, ousar vencer

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Durante o marcelismo, uma parte dos jovens, cansada da esquerda submissa das petições e abaixo-assinados, acreditava que, banindo o medo, seria possível fazer o regime passar um mau bocado.

O José Luís Saldanha Sanches, um militante em transição do PCP para o maoísmo, com uma já então larga história de detenções, destacou-se nessa circunstância. O culto da coragem física fomentou nesses tempos o activismo desmiolado, que ele inspirou mas não partilhou.

Chegado o 25 de Abril, a tal esquerda receosa tornou-se subitamente ameaçadora, de modo que, em Junho de 1974, Saldanha Sanches estava de novo na prisão. Foi-lhe atribuída por um jornal a declaração: “MFA é fascismo de luva branca.”

Encontrámo-nos pela primeira vez no Forte de Elvas. Embora ambos integrássemos a redacção de O Tempo e o Modo, nunca o vira antes de Abril porque estava preso, nem depois, porque a rapidez dos acontecimentos até à sua detenção não o permitira.

Esses tempos atribulados confirmaram-lhe a reputação de coragem física e moral, mas foi pessoalmente responsável por excessos que não podem ser desvalorizados nem esquecidos.

Os anos da revolução convenceram-no – a ele como a muitos outros – que o maoísmo não era uma cura, antes uma mutação da mesma doença. Estabilizada a democracia liberal, não tardou a descobrir outras formas de servir o seu país.

Como tantos outros da sua geração, a sua sensibilidade era mais cívica que política. Isso inspirava-lhe um saudável desprezo pela politiquice, mas ao mesmo tempo fomentava nele uma certa impaciência com a inevitável complexidade da vida política.

O seu pensamento permaneceu a meu ver sempre algo marcado por um certo maniqueísmo de raiz leninista. Censurava-me por entender que desvalorizava a importância da corrupção, eu temia que ele tendesse a reduzir a política a essa dimensão.

Certas embirrações – principalmente com o futebol e as autarquias, mas também com as pequenas empresas – toldavam-lhe por vezes o rigor do julgamento.

Era incapaz de esconder o que pensava, o que fazia dele a mais leal das pessoas. Como também gosto de dizer o que me vai na mente, o nosso convívio foi uma interminável discussão de quase quarenta anos.

O modo peremptório que usava para exprimir-se sugeria arrogância a quem o conhecia mal. Na verdade, era bastante paciente com opiniões contrárias.

Nunca o ouvi queixar-se de nada nem ninguém. Era um optimista natural, dado que essa atitude positiva não resultava de qualquer esforço particular, mas de uma forma instintiva de encarar as coisas.

Na palavra de ordem dos maoistas de Direito que titula este post – “Ousar lutar, ousar vencer” -, a segunda parte é a mais difícil e importante.
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