29.11.10

Das bail-out

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A taxa média ponderada da operação organizada pela UE para socorrer a Irlanda é de 5,85% (0,05 pp podem parecer uma mesquinhez, mas trata-se na realidade de muito dinheiro). Como o FMI vai emprestar a uma taxa a rondar os 5%, deduz-se que o custo da liquidez cedida pelos amigos da zona euro ficará próximo dos 7%.

É caso para dizer que, com amigos ferozes como estes, a Irlanda talvez preferisse lidar exclusivamente com inimigos. Acontece que não pode, porque a própria intervenção do FMI exige o aval prévio da chanceler Ângela Hamlet.

Que fez de mal a Irlanda para merecer tal tratamento? Durante duas décadas comportou-se como o inultrapassável bom aluno: liberalizou por completo o mercado de trabalho, retirou todos os obstáculos à entrada e saída de capitais, baixou os impostos até ao limite (com destaque para os que incidem sobre os capitais), cortou nas despesas públicas para compensar a quebra de receitas fiscais.

Transformou-se num gigantesco esquema off-shore, a ponto de quase 1/4 do seu PIB não contribuir um cêntimo para o Rendimento Nacional. Alguns êxitos efectivos na economia produtiva foram rapidamente submergidos pela maré alta da especulação financeira e imobiliária que, por um tempo, pareceu transformar o país no mais rico da rica zona euro.

Que pode agora fazer a Irlanda para perpetuar o seu estatuto de bom aluno. Fazer mais "reformas"? Mas quais, se o receituário foi esgotado?

À Irlanda, como a nós, só resta rezar para que a anunciada catástrofe do euro se agrave tão rápida e dramaticamente que torne inevitável uma inversão de 180 graus na governação económica europeia.

Do que precisamos, afinal, é da iminência de um desastre tão completo e total que nem tribunal constitucional alemão nem BCE tenham força para se oporem à necessária união fiscal que qualquer zona monetária bem formada requer e sem a qual rapidamente caminharemos para a desagregação da zona euro.
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2 comentários:

José Luiz Sarmento disse...

Pois é. Nem tudo tem solução, mas tudo tem resolução, nem que seja catastrófica. Merkel e o BCE estão a fazer com a catástrofe aquilo a que os americanos chamam playing chicken. Só espero que alguém se desvie a tempo.

Anónimo disse...

No ponto.
Aquele abraço