31.12.11

Ray Charles: Põe-te a milhas, Relvas

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Ralph Alessi Ensemble

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30.12.11

Altura é saúde

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Portugal é um dos países em que a altura das novas gerações mais aumentou em relação à das antigas. Isto é geralmente considerado um indicador da melhoria das condições gerais de saúde da população.
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Os bichos do papel preferem comida italiana

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Este livro tem escassos meses, mas os bichos do papel já deram conta dele. Há qualquer coisa naquela tinta que devem ter achado particularmente saboroso.

Como sei eu que foram eles? Porque apanhei os meliantes em flagrante delito.
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Latagões jogam melhor à bola

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Há uma razoável correlação (0,53) entre a altura média dos homens de um país e o lugar que ele ocupa no ranking da FIFA. Tratar-se-á de uma correlação espúria? Voltarei a este tema, porque existe hoje uma linha de pensamento que atribui uma grande importância à altura como preditor do desempenho económico e social.

(Note-se que Portugal tem um desempenho claramente superior àquele que a altura média da grei faria prever.)
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29.12.11

Cafés, o negócio do futuro

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Um post divertido e inspirador sobre possíveis consequências da progressiva desmaterialização da indústria e dos serviços. Eis um excerto:
My Christmas shopping this year was 90% through Amazon Prime. Not having to fight the crowds and having it delivered free of charge to my home is a big plus, but as with the Kindle store, the online retail selection is much better that even the largest retail outlet.

Which is more enjoyable: Starbucks or Walmart? For the sane: Starbucks. So if you can accomplish your Walmart shopping at Starbucks, why do it any other way?

Also, imagine the 3D print shop of the future. You put in your order, probably from your smart phone, and then go pick it up. What does the lobby of such a business look like? Again: a coffee shop.
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Não liguem, é só publicidade

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26.12.11

Sinatra: Love and Marriage

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19.12.11

Charlie Parker: Romance Without Finance

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18.12.11

O fado, património da humanidade

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O bisavô de Américo Amorim criou a fábrica corticeira da família em 1870, mas o empresário afirma que só quando concluíu a 4ª classe, em 1944, começou a usar sapatos. Deve ter sido porque a Escola Académica do Porto, para onde entrou no ano seguinte, não admitia alunos descalços.

A Jerónimo Martins foi fundada no ano da revolução francesa. Há uns anos valentes, pois, que a empresa faz uns cobres. Porém, Alexandre Soares Silva alega que o seu pai não teve condições económicas para cursar Direito.

O fundador do mais resiliente grupo económico português era um enjeitado. O nome que lhe puseram - José Maria Espírito Santo - traduz essa infeliz condição de criatura sem pai nem mãe. Teve, porém, a sorte de ser acolhido e educado por uma boa senhora que assegurou que nada lhe faltasse.

Sendo ponto assente que não dispunha de fortuna pessoal, como terá ele podido, ainda muito jovem, com apenas 18 anos de idade, em 1869, dispor das elevadas quantias que lhe permitiram arrematar a distribuição em Portugal da lotaria espanhola, negócio que lhe permitiu lançar as bases da fortuna que depois construiu?
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16.12.11

Milionários inconsoláveis

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Estou finalmente a ler um livro sobre grandes empresários portugueses do século XX que me foi oferecido há coisa de oito anos por um dos retratados.

Continuo a fascinar-me com a quantidade de milionários que alegam origens modestas ou mesmo indigentes, sem dúvida no intuito de valorizarem os seus feitos.

Toda a gente sabe, por exemplo, que o Bulhosa pretende ter começado a sua atividade a distribuir combustíveis numa carrinha puxada por um burro.

Mas a história é consideravelmente distinta.

O pai do Bulhosa era um grossista de carvão e vinhos que trazia para Lisboa por via fluvial. Que vivia bem, prova-se pela circunstância de o Bulhosinha filho ter nascido na Rua Anchieta ao Chiado, à época zona residencial de gente com posses.

O que sucedeu foi que, na sua juventude, Bulhosa teve a ideia de alargar o negócio do paí à distribuição retalhista pelas carvoarias e tascas da capital em carroças de burros. Acresce que ao moço agradava fazer de vez em quando a ronda pelos fregueses.

Donde se infere que a lenda não é exatamente verdadeira. Se quisermos ser mais severos, poderemos também considerá-la razoavelmente falsa.
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15.12.11

Elliott Carter: Sinfonia para Três Orquestras

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14.12.11

Esse menino vai estar no Porto a partir de Janeiro

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Portico Quartet: Dawn Patrol

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11.12.11

Portico Quartet: Line

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Não se deve abusar da credulidade da juventude

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Este post de Greg Mankiw, suscitado pelo movimento de contestação da economia ensinada em Harvard pelos estudantes dessa universidade, parece escrito de propósito para ilustrar o que eu penso sobre o que está errado no modo como se ensina economia.

A propósito de uma intervenção crítica de Steve Marglin diz Mankiw que, embora concorde com muito do que por ele é dito, tem uma discordância de ordem pedagógica que exprime deste modo:
A main disagreement I have with Steve is pedagogical. I believe his critiques of mainstream economics should be presented after students have had a standard course like ec 10. That is, I would suggest Steve aim his course at sophomores rather than freshmen. If he did, he could attract a lot of economics majors who had just finished ec 10, rather than nonmajors who are avoiding it.
Eis uma forma mais desagradável mas também mais exata de pôr a coisa, que eu prefiro:
Os caloiros devem ser primeiro doutrinados com doses massivas de teorias destituídas de sólidos fundamentos científicos e mais precisamente de sólida base empírica. Mais tarde, com as cabeças já formatadas e depois de os alunos terem feito um investimento intelectual significativo a aprender coisas reconhecidamente erradas, estarão preparados para que lhes seja revelada a verdade, ou seja que passaram anos e anos a aprender tretas inúteis ou mesmo prejudiciais para uma sadia formação económica.
Pessoalmente, só vejo uma vantagem (digamos assim) na orientação preferida por Mankiw. É que, uma vez impregnados dos preconceitos da seita e familiarizados com os respectivos rituais, os estudantes submetidos ao processo recomendado de lavagem ao cérebro estarão mais inclinados a fazer-lhes pequenos ajustamentos do que a deitarem toda essa tralha para o lixo.
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10.12.11

Ilegalizar o keynesianismo

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A única coisa que nesta circunstância parece ocupar a cabeça do PS de Seguro é saber se a limitação do défice a um máximo de 0,5% do PIB (porque não, como seria mais correcto, do PNB?) deve ser plasmada na Constituição ou numa mera lei ordinária.

Poderemos concluir daqui que o PS está de acordo com o princípio em si mesmo, visto que desta vez não pode desculpar-se com os compromissos assumidos com a troika.

Ora tanto a ideia de fixar limites legais ao défice como a de aplicar sanções automáticas a quem os ultrapassar são estúpidas.

Imagine-se que um país europeu sofre uma catástrofe nuclear semelhante àquela que este ano abalou o Japão. Deverá ele ainda por cima ser penalizado?

É claro que este é um exemplo extremo que serve apenas para evidenciar o absurdo da coisa, mas o facto é que os países são a todo o tempo afectados por factores imprevisíveis de origem natural ou humana.

Foi o que sucedeu recentemente com a crise financeira mundial que, ao determinar a contração das receitas fiscais fez explodir os défices públicos.

Note-se, porém, que o acordo ontem aprovado não prevê na verdade sanções automáticas, fazendo-as depender sempre da aprovação de uma maioria qualificada, que, de resto, não especifica. Pode-se pois argumentar que a regra será moderada pelo bom senso - algo muito preocupante dado que o bom senso não parece abundar em quem hoje dirige os destinos da UE.

Poder-se-á então em certas circunstâncias indeterminadas violar o limite do défice devido ao azar, mas nunca em resultado de uma deliberação voluntariamente assumida.

Ora isto equivale a ilegalizar uma modalidade de política económica perfeitamente respeitável, apenas porque certas pessoas, forças políticas e governos perfilham doutrinas às quais aborrece o keynesianismo.

Próximo passo: proibir nas faculdades de economia o ensino de teorias subversivas e perturbadoras da tranquilidade pública.
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Países dispensáveis e realinhamento europeu

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Já tínhamos sido recentemente notificados que a Grécia pode ser considerada descartável, o que valeu como um iniludível aviso para nós próprios.

Soubemos agora que tampouco a Grã Bretanha faz falta ao conceito prussiano da Europa. O dominó que se segue é logicamente a Irlanda, e a Itália só tem cabimento neste concerto como protectorado do Sacro Império Romano-Germânico, afinal a situação de que há escassos dois séculos lograra libertar-se.

Pasmo com a tranquilidade da França, sem dúvida determinada por uma ignorância história abissal, ao ver a União Europeia alienar um a um os seus aliados tradicionais.

A área preferencial de influência da França sempre se centrou na Ibéria, na Itália e no Mediterrâneo, únicos lugares do mundo civilizado onde a francofonia ainda tem alguma expressão. A prosseguir o curso atual, ficará isolada entre nações que nada querem saber dela.

Quanto à Grã Bretanha, a ausência de uma verdadeira política europeia que não a ditada pelos chauvinismo dos seus tablóides, permitiu que, na hora da verdade, ficasse apenas humilhantemente acompanhada da Hungria. Só um profundo alheamento em relação ao estado presente da política europeia pode ter levado Cameron a acreditar que conseguiria ter sucesso.

O facto é que também o Reino Unido, obcecado com uma América que pouco lhe liga, tem descurado as suas alianças históricas na Europa, as quais cobrem essencialmente o vasto arco que, envolvendo o Continente, vai da Escandinávia à Turquia, abrangendo a Irlanda, Portugal, a Itália, a Grécia e o Médio Oriente.

As realidades geo-estratégicas são, porém, mais fortes. Atrás do Reino Unido tenderemos a ir tanto nós como os outros territórios europeus de vocação marítima, tanto atlântica como mediterrânica, compensando o movimento de recentramento da União Europeia a leste do Reno.
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9.12.11

Introdução à dívida

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A dívida americana em proporção do PIB sobe e desce ao longo dos anos, coincidindo os picos com conflitos armados ou crises de especial gravidade.

Em valor absoluto, porém, a tendência é para ela crescer sempre, mesmo quando se expande mais lentamente do que o produto nominal.

A mera observação confirma, pois, que a dívida é renovada, renegociada ou reestruturada - mas nunca paga. Sucede assim porque novos projetos são lançados e financiados ao mesmo tempo que outros, antigos, são concluídos e amortizados.

Eis outra forma, porventura mais feliz, de explicar a coisa:
As dívidas dos Estados são por definição eternas. As dívidas gerem-se. Claro que não devemos deixar crescer a dívida muito, porque isso pesa depois sobre os encargos. Todavia, para um país como Portugal, é essencial financiamento para desenvolver a sua economia.
Estou, é claro, a citar Sócrates. Exige-se um módico de inteligência para compreender isto.
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7.12.11

Vamos experimentar enfiar o gato no micro-ondas para ver o que acontece

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Do meu artigo de hoje no Negócios:
O euro é o ornitorrinco do mundo financeiro, uma ave mamífera rastejante que se imagina capaz de altos voos. Mas não se pense que foi concebido assim por engano: as primeiras versões do projecto da moeda única europeia, traçadas nos anos 70, incluíam quase tudo o que agora se reconhece faltar-lhe: união fiscal, união política, flexibilidade numa fase de transição, euro-obrigações e um emprestador de última instância.

Foi preciso muito trabalho de sapa, liderado pela casta sacerdotal do Bundesbank, para dar à luz o fastidioso monstro que agora temos. Não por acaso, a arquitectura do euro ignora olimpicamente toda a experiência acumulada de gestão monetária internacional no último século e meio, incluindo a indispensabilidade de um emprestador de última instância para enfrentar situações de pânico bancário e a instabilidade inerente aos sistemas de câmbios fixos.

Temos por isso a comandar os destinos do euro um banco cujos estatutos, violando a norma dos países desenvolvidos, não incluem a responsabilidade de fomentar o crescimento e o emprego, levam a independência ao ponto de não ter que prestar contas a ninguém e o proíbem, mesmo numa situação de emergência limite, de financiar directamente a dívida pública.
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6.12.11

O bluff de Ângela Merkel

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Sabe-se que há por aí muita miséria escondida em grandes bancos europeus, nem todos da zona euro.

Suponhamos que, com a crescente perceção de risco e consequente fuga de capitais para fora da zona euro, um deles atira um dia destes a toalha ao chão. Suponhamos, com um ligeiro esforço adicional de imaginação, que isso sucede com o Commerzbank, segundo maior banco alemão, de cujo capital um quarto já se encontra nas mãos do governo federal.

Teremos então duas soluções: ou a Alemanha assume integralmente a responsabilidade da sua recapitalização ou o BCE avança com a artilharia toda.

Hipótese alternativa: a Itália não consegue refinanciar-se para a semana e corre o risco de falhar pagamentos. E lá teremos outra vez o BCE a entrar em ação.

O governo alemão sabe que a probabilidade de uma situação de emergência desate tipo aumenta a cada dia que passa. Não ignora também que, nesse dia, digam o que disserem os tratados, jamais o banco central europeu se resignará a assistir passivamente ao colapso da zona euro.

Neste contexto, o compromisso que Merkel pretende obter em 9 de Dezembro dos seus parceiros pode ser considerado como uma tentativa de salvar a face, de modo que poderá sempre dizer que aceitou a intervenção do BCE porque, em compensação os estados-membro concordaram com um reforço da disciplina orçamental sob controlo da Alemanha.

É claro que tudo isto não passa de uma ficção. Alguns países terão que realizar referendos para aprovar a mudança dos tratados. Outros, a começar pela Inglaterra, exigirão contrapartidas dolorosas. Por muito bem que as coisas corram, não se imagina que seja possível uma revisão do tratado de Lisboa antes de Abril ou Maio. Antes - muito antes - disso, desencadear-se-á a crise financeira.

De modo que seria perfeitamente possível que, na próxima cimeira europeia, uma maioria de estados europeus mandasse Merkel passear. Por outras palavras, que desmontasse o seu bluff.

Na verdade, o poder efectivo da Alemanha sobre os destinos da União Europeia diminui a cada dia que passa.

Giro giro era o Commerzbank ser o primeiro banco diretamente socorrido pelo BCE.
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5.12.11

Muito provável, muito provável

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29.11.11

O dia antes

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Segundo algumas fontes, há sinais de fuga de capitais não só da periferia para o centro (aqui) como para fora da zona euro (aqui).

Isto explica as dificuldades de financiamento do Tesouro alemão: não se trata de qualquer perceção de risco agravado da dívida alamã, mas de um receio de desmoronamento da zona euro que leva os investidores a preferirem, para já, ativos denominados noutras moedas, com o dólar e o franco suíço a desempenharem o papel de divisas de refúgio.

Por outro lado, o perigo de uma rápida desvalorização do euro motivou a disponibilização dos bancos centrais americano e suíço para virem em socorro da moeda europeia, designadamente por via de um forte empenhamento numa operação de emrgência destinada a garantir o financiamento do Estado italiano.

Entretanto, fiel à sua crença natural, Merkel ocupa-se a congeminar planos impraticáveis e de nulo efeito no curto prazo, o único que presentemente conta.
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28.11.11

O silêncio dos inocentes



Soube ontem por um amigo irlandês de uma história chocante divugada na imprensa europeia no passado dia 18 de Novembro, mas que não me lembro de ter sido noticiada nos nossos media.

O caso é que o OE 2012 da República da Irlanda chegou primeiro ao conhecimento do Bundestag do que ao do Parlamento Irlandês. Assim, os deputados irlandeses só ficaram inteirados pelos jornais de que os deputados alemães estavam a analisar a possibilidade de um aumento do IVA na Irlanda.

Após algum embaraço inicial, a Comissão Europeia e o Governo alemão vieram a terreiro explicar nada haver de anormal no sucedido, visto que apenas foram seguidas as regras de funcionamento do FEEF impostas pela Alemanha.

Para quem ainda tinha dúvidas, fica defiinitivamente esclarecido que a união fiscal de que agora se fala consiste apenas e só na definitiva e completa transferência de poder dos parlamentos dos diversos estados nacionais para o parlamento alemão. Pergunto-me como podem os governos europeus ficar calados perante um tal atropelo à legalidade democrática tanto nacional como europeia, não suportado por qualquer tratado livremente negociado.

Estamos agora todos à espera que, no dia 9 de Dezembro, a chanceler Merkel apresente à União Europeia o seu ultimato político-financeiro: ou os países-membros da União Europeia aceitam submeter-se incondicionalmente à autoridade alemã ou não haverá euro-obrigações para ninguém e a zona euro será desmantelada.

A astúcia da Srª Merkel é virtualmente indistinguível da estupidez, visto o poder do seu bluff assentar apenas na frágil hipótese de todos os povos europeus estarem dispostos a cederem a sua soberania a troco de algo que na verdade é nada.

De facto, as euro-obrigações já nada resolvem neste fase tão adiantada da crise, a menos que venham associadas à assunção do BCE como emprestador de última instância e ao abandono das políticas suicidas de austeridade e destruição da capacidade produtiva. O principal obstáculo à resolução da crise europeia é a própria Srª Merkel, tornando-se indispensável que seja prontamente apeada do poder ilegítimo que exerce sobre o conjunto da União Europeia.

Entretanto, não entendo como os jornalistas dos vários países permitem que os seus governantes permaneçam calados.

Por que não perguntam a Passos Coelho o que pensa do que já se conhece da proposta franco-alemã que vai ser formalmente apresentada na cimeira de 9 de Dezembro? E por que não dirigem a mesma questão aos restantes dirigentes partidários, a começar por Portas e Seguro? E, já agora, não faria sentido inquirir também o sentimento dos sindicatos e associações patronais?

E o Presidente da República, a quem incumbe a defesa da Constituição, não deveria falar antes que seja tarde?

E não seria bom o parlamento português antecipar-se e suscitar de imediato a discussão da projetada limitação dos seus poderes?

Pela minha parte, gostaria de saber quem defende o quê e com quem poderemos contar nos meses e anos que nos esperam. Além disso, a forma inteligente de derrotar este ultimato é assegurar que seja destroçado pelas opiniões públicas europeias ainda antes de 9 de Dezembro.

26.11.11

Que fazer com a greve geral?

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Vi a greve de ontem essencialmente como uma oportunidade perdida de impulsionar uma viragem decisiva na política nacional e – quem sabe? – europeia.

Tenho perguntado repetidas vezes qual era o objectivo da greve geral. Ninguém sabe responder-me. No melhor dos casos, cada qual diz-me o que acha que deveria ser.

Olhando para a propaganda difundida constata-se imediatamente que não foi definida nenhuma palavra de ordem ou reivindicação unificadora. “Contra as injustiças”, “Assim não” ou “Basta!” são apenas algumas das muitas frases que por aí li em cartazes, numa anarquia comunicacional que não permite fixar uma só ideia-chave.

Que queriam os grevistas? Cada qual decidiu por si, o que é tão reconfortante como escassamente mobilizador.

Entendo que as centrais sindicais encararam a iniciativa de modo burocrático. Dir-se-ia que, no fundo, se tratava antes de mais de desenferrujar a máquina e fazer prova de vida. O objectivo, como de costume - para quê especificá-lo se já toda a gente o sabe? – consiste tão só em embaraçar o governo, seja ele qual for.

E de que serve, nas presentes circunstâncias, dificultar a vida ao governo, cercá-lo, preparar o seu derrube, se, como é óbvio, a sua margem de manobra é extremamente reduzida?

Carvalho da Silva afirmou ontem que a Intersindical nunca no passado recebeu tantas mensagens de apoio de tantos países como ontem. Esse simples facto deveria tornar evidente que estamos antes de mais perante uma questão de política europeia, e que talvez os sindicatos estejam melhor posicionados que ninguém para torná-lo claro.

Que devem então reivindicar os sindicatos? Compreendo que queiram forçar o governo a sentar-se à mesa das negociações tendo em vista a correcção de algumas das medidas mais iníquas constantes do OE 2012. Porém, sejamos francos, nas presentes circunstâncias os resultados previsíveis serão sempre exíguos e, como tal, decepcionantes para quem trabalha.

É vital que os sindicatos raciocinem no plano da política económica e laboral europeia e que, por essa via, se coloquem na primeira linha de um combate transnacional às políticas de liquidação do legado da social-democracia europeia.

Portugal está encurralado. Felizmente para nós, cada vez mais países estão-no também. Em breve todo o continente mergulhará na estagnação económica e no desemprego generalizado, o que cria condições para uma regeneração do projecto europeu.

Os sindicatos deveriam ser capazes de se posicionar acima da pequena política doméstica. Isso significa, antes de mais, denunciar as políticas destrutivas e punitivas promovidas pela UE e executadas país e país por governos submissos, que se aproveitam da crise internacional para operar um retrocesso civilizacional em larga escala.

Os sindicatos precisam de ter uma posição clara em relação à crise de financiamento das dívidas públicas porque, sem que ela seja resolvida, não terá fim à vista a degradação do rendimento disponível, do emprego, da saúde e da educação.

Assim, eles podem e devem exigir: no plano nacional, a renegociação da dívida e o controlo apertado sobre o processo de recapitalização dos bancos; no plano internacional, a reforma do euro e do BCE, a reestruturação do sistema bancário europeu e o lançamento de euro-obrigações destinadas a financiar projectos de investimento público em infra-estruturas, em educação e em investigação. Por último, deveriam tornar clara a sua oposição ao crescente chauvinismo que procura opor povos a povos, centro a periferia, nativos a imigrantes.

Quando ao governo português, deve primeiro que tudo ser criticado por se prestar a ser cúmplice desta política, um instrumento dócil ao serviço do programa traçado pelas forças que presentemente controlam a UE.

Acredito que uma tal plataforma teria condições para reunir uma larga base social de apoio, condição indispensável para começarmos a construir uma solução política sólida e viável. Ainda estamos a tempo.
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20.11.11

Delors, o mestre

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Foi em 1969 que pela primeira vez se assumiu na CEE o propósito de criar um sistema monetário europeu. O relatório Werner, apresentado em 1971, propunha que a união fiscal precedesse a monetária, evoluindo-se gradualmente para a redução da margem de variação das cotações das diversas moedas e para a coordenação das políticas macroeconómicas. Não estava prevista a constituição de um Banco Central Europeu, mas a de um “sistema de bancos centrais”.

Em 1978 a questão renasceu pela mão de Giscard d’Estaing e Helmut Schmidt, sendo o Sistema Monetário Europeu oficialmente criado em 1979. Os acordos então assinados indicavam explicitamente que os países cujas moedas se valorizassem deveriam adoptar políticas expansionistas para facilitar o reequilíbrio cambial.

Mas o Banco Central Alemão opôs-se e as coisas ficaram por aí.

No final dos anos 80, a comissão Delors cedeu em toda a linha às pretensões da Alemanha: os países com políticas excessivamente restritivas não seriam forçados a fazer ajustamentos; seriam impostos limites aos défices orçamentais nacionais; os movimentos de capitais seriam totalmente liberalizados sem restrições logo no início do processo; o banco central europeu não seria autorizado a financiar directamente os défices dos países membros; a autoridade monetária seria completamente centralizada no banco europeu.

Do projecto de união fiscal proposto no relatório Warren, nem rasto.

Por outras palavras, as primeiras versões do projecto da moeda única europeia incluíam quase tudo o que agora se diz que lhe falta: união fiscal, união política, flexibilidade numa fase de transição, euro-obrigações e um emprestador de última instância.

Quem definitivamente liquidou todas essas boas ideias foi Delors, que muitos teimam em apresentar como o modelo do grande estadista europeu.
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19.11.11

Por que os chineses não descobriram o caminho marítimo para a Europa

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Entre 1405 e 1433, o almirante chinês Zeng He comandou sete ambiciosas viagens marítimas de exploração no Oceano Índico. Na sexta viagem, em 1421, desceu a costa da África Oriental visitando Mogadixo, Mombaça, Melinde, Zanzibar e Quiloa, onde voltou, mais tarde, em 1433. Depois disso, não houve mais expedições chinesas nesta parte do mundo.

Parece provável que estivessem informados de que, passando o cabo mais meridional da África, poderiam depois navegar rumo à Europa. Porém, nunca o fizeram.
Pelo contrário, os portugueses, que nessa mesma época iniciavam a exploração da costa africana rumo ao sul, dobraram em 1487 o Cabo da Boa Esperança e chegaram em 1498 à Índia.

Como se explica esta disparidade de ambição entre chineses e portugueses?

David S. Landes opina, no seu The Wealth and Power of Nations: Why Some Are So Rich and Some Are So Poor, que aos chineses faltavam visão, foco e, acima de tudo, curiosidade. Não estavam interessados em aprender e ver coisas novas, apenas em forçar obediência e cobrar tributos.

Este ponto de vista é genericamente subscrito por Niall Ferguson no seu Civilization: The West and the Rest, um panegírico da suposta superioridade cultural do ocidente sobre o oriente.

Ao invés, Fernandez-Armesto faz notar (1492: The Year Our World Began) que a passagem do Índico para o Atlântico era perigosa e pouco atraente. Porque haveriam os marinheiros chineses de arriscar-se a tornearem a África e a percorrerem um longo caminho marítimo para chegarem a uma região distante do mundo que – sabiam-no bem – pouco tinha que lhes interessasse?

Pelo contrário, uma nação situada situada nos confins da Euroásia e do seu próprio continente, como Portugal, tinha um forte incentivo para curto-circuitar as rotas tradicionais do comércio entre o ocidente e o oriente e, enfrentando grandes perigos, chegar a Índia pela rota do cabo.

Mera análise custo-benefício, pois.

Landes detecta uma diferença de atitude, à qual atribui a responsabilidade decisiva na viragem histórica que conduziu à hegemonia europeia duradoura sobre o planeta. Fernandez-Armesto mostra que essa disparidade é ela própria explicável por um conjunto de circunstâncias geográficas, económicas e sociais.

Qual das duas interpretações é mais profunda: a de Landes ou a de Armesto?

14.11.11

1%

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Descoberto aqui, via Paul Krugman.
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Não liguem, é só publicidade

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13.11.11

Nunca se esqueçam que os abutres também são gente

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Vultures Chose Me from Green Renaissance on Vimeo.


Estranhamente, há países onde os abutres estão em vias de extinção. Felizmente, não é o nosso caso; mas, se fosse, não teríamos dinheiro para os salvar. Não é verdade, Dr. Gaspar?
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11.11.11

Os banqueiros deveriam pensar melhor no que andam a fazer

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Escreve Helena Garrido no Negócios:
Durante demasiado tempo, o poder foi cúmplice do sector financeiro - aqui, como no resto da Europa - e esteve totalmente capturado por ele. Esteve ou está? A resolução efectiva da crise financeira em que mergulhou o mundo ocidental depende, de forma determinante, da capacidade que os Estados tiverem de recuperar o poder sobre o sistema financeiro. Se não o fizerem, outra crise chegará.

Os banqueiros portugueses sabem bem que o Estado, e especialmente este Governo, quer tudo menos nacionalizar os bancos. Ironia das ironias, esta acusação cair sobre Pedro Passos Coelho, que até já defendeu a privatização da CGD.

Acusar o Governo de intenções que são absurdas apenas nos faz suspeitar de que a banca portuguesa estava muito mal-habituada, que viveu num regime de "quero, posso e mando". Hoje é diferente. Não há dinheiro. E quem é pobre não pode ser mal-agradecido.
É verdade que os timings de recapitalização que a UE está a impor à banca são mais uma manifestação de euro-estupidez que, neste momento, só contribui para apertar mais o crédito e agravar a recessão.

Mas não é bonito nem inteligente os nossos banqueiros tentarem por-se de fora das dificuldades do país pedindo privilégios que mais ninguém tem. Esperava-se que tivessem aprendido alguma coisa com a história, mas parece que ainda não foi desta.
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Depressão ou inflação

Uma opinião semelhante à que exprimi ontem no Jornal de Negócios foi também agora sustentada por Simon Johnson no blogue do New York Times:

German policy makers and the German public will not do well in the event of a major sovereign-credit disaster. Credit would tighten across the board. German exports would plummet. The famed German social safety net would come under great pressure.

There is an alternative to a decade of difficult austerity. The Germans could agree to allow the European Central Bank to provide “liquidity” support across the board to the troubled governments.

Many things are wrong with this policy – and it is exactly the kind of moral hazard-reinforcing measure that brought us to the current overindebted moment. None of us should be happy that Europe – and the world – has reached this point.

Among others, the bankers who bet big on moral hazard – i.e., massive government-backed bailouts – are about to win again. Perhaps the Europeans will be tougher on executives, boards and shareholders than the Obama administration was in early 2009, but most likely all the truly rich and powerful will do very well.

But if the German choice is global calamity or, effectively, the printing of money, which will they choose?

The European Central Bank has established a great deal of credibility with regard to keeping inflation at or close to 2 percent. It could probably offer a great deal of additional support – through creating money – without immediately causing inflation. And if the bank is providing a complete backstop to Italian government debt, the panic phase would be over.

Mapa europeu do Twitter



Cada cor representa uma língua distinta. Holanda é o país onde uma maior proporção da população online twita (20%), daí a intensidade do colorido no país. Europa do Leste, quase às escuras, é, com exceção da República Checa e da Eslovénia, um deserto para o Twitter.

10.11.11

E tu, que escolha farias?



Dani Rodrik, um economista turco cujas ideias deveriam ser mais conhecidas, sustenta no seu último livro The Globalization Paradox com grande soma de argumentos uma tese tão controversa como decisiva para o futuro de todos nós: não é possível termos ao mesmo tempo globalização, estado-nação e democracia.

Podemos ter simultaneamente duas dessas coisas – globalização e estado-nação, estado-nação e democracia ou globalização e democracia – mas nunca as três.

Se Rodrik estiver certo – e tendo a pensar que está – as nossas posições políticas caracterizar-se-ão principalmente por aquilo que nos resignarmos a dispensar.

Se me tivessem perguntado há dez anos, teria optado por conservar a democracia e a globalização, aceitando o progressivo desaparecimento do estado-nação. Agora porém, creio que mais depressa prescindiria da globalização para guardar a democracia e o estado-nação.

9.11.11

Game over




Que fazer quando todos devem a todos e ninguém consegue pagar? É este o tema do meu artigo de hoje no Jornal de Negócios.

O remédio é conhecido há muito tempo, e só não é aplicado à resolução da crise da zona euro porque preconceitos ideológicos enraízados asseguram a proteção dos interesses que tenderiam a perder muito com a vasta redistribuição de recursos que a reestruturação da dívida implica.

Acredito que lá chegaremos - talvez muito em breve -, mas não antes que todas as receitas enganadoras tenham sido tentadas, assim agravando o problema e espalhando muito sofrimento evitável.

3.11.11

Agora vejam lá se entendem a lógica disto

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Será mesmo verdade que o Brasil tem mais que um sistema?
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2.11.11

Uma questão difícil

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Copiado daqui.
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Tudo o que sempre quis saber sobre o Plano Merkozy mas teve vergonha de perguntar

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1.11.11

PIIGS 1, FUKD 0

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As reações económicas e políticas ao anúncio de um referendo na Grécia provam quatro coisas:

1. A ideia do acordo da semana passada não era de facto perdoar 50% da dívida aos gregos, mas garantir 50% do seu pagamento aos bancos. Com o acordo em suspenso, desceu de pronto a cotação das suas ações.

2. Não é só o governo alemão que tem o direito de se preocupar com a sua opinião pública. Mesmo correndo enormes riscos, são os gregos que mandam na sua terra e é perante eles que o seu governo responde.

3. Mesmo os países em grandes dificuldades dispõem sempre de alguma margem de manobra negocial. Neste momento, tornou-se óbvio que o problema é tanto dos devedores como dos credores, visto que tanto uns como outros cometeram erros de avaliação de risco. Em última análise, ambas as partes terão que ceder alguma coisa.

4. Quando a força se torna a única linguagem reconhecida nas relações internacionais, cada qual usa os trunfos de que dispõe, tendo em vista a maximização do efeito pretendido, quando julga mais apropriado.
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29.10.11

Contra números não há argumentos

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Vivaldi terá escrito, segundo uma contagem fidedigna, 478 concertos. Ouvir toda a música de Bach é tarefa para uma vida: só cantatas foram umas 300, entre sagradas e profanas, mas esse foi apenas um dos muitos géneros a que se dedicou. Ao morrer deixou tantas partituras escritas que o seu sucessor achou que teriam melhor uso se delas se servisse para embrulhar peixe.

Com Haydn, desceu-se um patamar de produtividade: 108 sinfonias, 83 quartetos e 26 missas, a par de muitas outras peças menores, pode impressionar, mas só por comparação com o que veio depois. Mozart, que viveu pouco, ainda produziu 52 sinfonias e pelo menos 40 concertos, para além de 19 missas e 23 óperas, mantendo-se ao nível do seu grande antecessor.

É com Beethoven, o primeiro compositor que jamais foi empregado de um aristocrata, que as coisas começam claramente a descambar. Os seus 57 anos de vida apenas renderam 9 sinfonias, 7 concertos, 2 missas e, a muito custo, uma ópera. A partir daqui, instala-se a ineficiência: Schubert, Dvorak, Bruckner e Mahler ficaram-se todos eles pelas 9 sinfonias; Tchaikovski só compôs 6; Mendelssohn, Schuman, e Brahms não foram além das 4; Berlioz e Lizst limitaram-se a uns quantos poemas sinfónicos cada.

Os mais destacados compositores do século XX - entre eles Debussy, Ravel, Stravinsk, Bartok, Gershwin, Schonberg e Berg - pouco escreveram. Chostakovitch destaca-se claramente de todos eles com 15 sinfonias, 6 concertos e 2 óperas, mas esse, sendo artista do povo da União Soviética, era obrigado a dar ao pedal para justificar o salário.

Como se vê, é muito fácil alinhavar um chorrilho de disparates mencionando apenas factos e números verdadeiros.
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28.10.11

Há método nesta estupidez

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Chamar a uma parte da remuneração bruta anual "subsídio" sempre me pareceu uma tolice que estava mesmo a pedi-las.

Não sei quem teve a ideia - às tantas terão sido os sindicatos - mas ela não só tem o condão de transformar em esmola aquilo que é retribuição de trabalho prestado como ainda por cima consegue que os empregadores retenham durante 12 meses sem pagamento dos juros correspondentes uma parte do salário devido.

O génio linguístico dos escrevinhadores da nossa legislação laboral teve que esperar pelo descaramento de Passos e Relvas para se revelar em todo o seu esplendor perante a nação estupefacta.

Andámos quase quatro décadas a viver de gorjetas e não sabíamos.
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O momento orwelliano da UE

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Opinião de Yanis Varoufakis sobre o novo plano europeu para resolver a crise das dívidas soberanas:
"I think that once investors pore over the details of what’s happening, they will realise that nothing much has happened, so it would be back to business as usual as of the – in the next two or three days."
É favor ler aqui a entrevista na íntegra.
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27.10.11

Uma história mal contada

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Os títulos da dívida grega valiam virtualmente zero. O que a UE ontem fez foi assegurar aos seus detentores metade do seu valor nominal. Alguma coisa é melhor que nada. Mais uma vez, o socorro aos credores foi disfarçado de auxílio aos devedores.

Como é que isso foi conseguido? Transformando o FEEF num mecanismo de garantia de dívidas soberanas, uma espécie de seguro para credores.

A crise que começou no sistema financeiro e depois se transferiu para os estados regressou agora, como não podia deixar de ser, às instituições bancárias.

A ideia do Partido Popular Europeu para resolver o problema continua a ser a mesma: socorrer os bancos impondo-lhes um mínimo de condições e, de passagem, liquidar o estado social a pretexto de que não há dinheiro.

Nas imorredoiras palavras de Passos Coelho, trata-se de transformar os estados em “accionistas passivos” dos bancos em apuros, ou seja, de transferir para todos nós os custos dos ajustamentos necessários para evitar a insolvabilidade do sistema.

Há um problema em tudo isto. Reconhecendo-se finalmente a inevitabilidade de incumprimentos totais e parciais, ficam fragilizados os balanços bancários. Logo, torna-se necessário acelerar a sua recapitalização. Mas isso conduz a uma contracção adicional do crédito, no próprio momento em que América e Europa parecem regressar à recessão.

O preço do reequilíbrio do sistema financeiro vai, por isso, ser pago por todos nós com mais desemprego, mais desvalorização salarial e mais impostos.

E não saímos disto.
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21.10.11

União Europeia? Mas que ideia fantástica!

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20.10.11

Estará Passos a prazo?

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O CDS está desde a formação do governo com um pé dentro e um pé fora dele. Portas pouco se vê e figuras gradas do partido aproveitam qualquer oportunidade para se demarcarem do seu parceiro de coligação.

Se, como é previsível, as coisas correrem mal, o CDS terá sempre interesse em romper a coligação antes do final da legislatura, deixando Passos e o PSD apeados.

Cavaco, um sujeito acima de tudo rancoroso e egocêntrico, não perdoa a Passos sabe-se lá o quê. Já se viu que estará sempre disponível para tirar o tapete ao governo sempre que isso lhe convenha.

O Presidente quer comandar o executivo, por isso não se coíbe de embaraçar o primeiro-ministro com pronunciamentos deslocados e intempestivos.

Suspeito que não descansará enquanto não conseguir forçar a constituição de um governo de sua iniciativa chefiado por Catroga ou Ferreira Leite e suportado por uma ampla coligação que vá do PS ao CDS.

A conversa mole de Seguro convém sobremaneira a esta estratégia. O modo como o PS votará este orçamento será também a este propósito significativo.

Daqui a um ano, com o país em cacos, Gaspar estará de volta ao BCE e Passos à gestão de lixos.
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19.10.11

Uma pessoa vulgar

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"Ninguém podia imaginar uma coisa destas. Um senhor tão calmo, tão sossegado, que falava sempre tão bem aos vizinhos... Quer dizer, ele não era de muitas falas, mas cumprimentava sempre toda a gente."

"Uma vez assustei-me porque me cruzei com ele nas escadas à noite com as luzes apagadas e ele vinha muito silencioso - ele nunca faz barulho nenhum - e só o vi quando quase choquei com ele."

"Não era uma pessoa muito alegre e expansiva, lá isso não. Via-o sempre muito metido consigo mesmo, a pensar nas suas coisas. Mas a gente sabe lá o que vai na cabeça das pessoas."

"Para dizer a verdade, eu cá continuo a não acreditar que ele tenha feito as coisas que se diz que ele fez. Ou, se fez, foi porque alguém o empurrou para fazer isso. Eu cá não acredito."

"Eu até disse à minha comadre: 'Era um bom partido para a sua Amelinha'. 'Jesus, valha-nos Deus!', disse-me ela, e afinal tinha razão."

"Tem aquela fala monocórdica e a gente sentia receio de conversar com ele, mas, tirando isso, é um professor como os outros."

"Uma pessoa muito normal em tudo, muito amigo do seu amigo, com uma maneira de ser muita própria. As pessoas se calhar não acreditam, mas ele uma vez estava tão bem disposto que até o vi a rir-se."

"Uma vez houve um incêndio aqui no prédio que nunca se soube como começou. Ele ficou sempre muito calmo, mas não ajudou a apagá-lo, só olhou."
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Estes malucos que nos governam

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Pedro Lains, hoje, no Jornal de Negócios:
Afinal, Portugal não é a Grécia. É o Chile. De há 30 anos. Não vamos apenas recuar no rendimento per capita, mas também na História, na integração europeia e, seguramente, na qualidade da democracia. Em prol de quê? - Em prol de uma fé. E a troco de quê? - A troco de uma mão cheia de nada.(...)

Nos anos 1980, um grupo de rapazes de Chicago entrou pela ditadura chilena adentro e "cortou com o passado", fazendo um "ajustamento profundo". Os pormenores não cabem aqui, mas quatro questões importantes cabem: o país era então uma ditadura; não estava integrado num espaço económico e monetário alargado; havia uma enorme taxa de inflação; e os mercados internacionais não estavam de rastos. E o desemprego subiu a perto de 25%, sem subsídios, claro, que isso é para os preguiçosos.
Nota: O Negócios é um dos poucos jornais onde hoje se lê alguma opinião de facto independente.
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18.10.11

Vamos fazer de conta que a realidade existe

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O coro dos indignados do Prós e Contras de ontem incluía um sacerdote, muito chocado com os horrorosos défices gerados pela saúde e pela educação.

É claro que ele nunca gastou dois minutos a olhar para o orçamento geral do estado, mas, como é padre numa frequesia rica, as suas paroquianas informaram-no de que as suas mulheres-a-dias têm iPhones, os eletricistas ou polícias seus maridos compraram um Alfa Romeo a prestações, os filhos foram estudar para Oxford e elas só comentam os cruzeiros que fazem no Mediterrâneo. Ainda por cima, têm educação e saúde à borla. Um horror.

Ora vamos lá fazer uma pausa na excitação para considerar um facto elementar: 80% do acréscimo do défice desde que se iniciou a crise resultou diretamente da queda das receitas dos impostos, por sua vez provocada pela quebra da atividade económica.

Quer isto dizer que o brusco salto de mais de vinte pontos percentuais do endividamento total em proporção do produto nada tem a ver com a insustentabilidade do estado social, o envelhecimento da população, o rendimento social garantido e outras malfeitorias do género. Pense-se o que se pensar sobre matérias de política social, não é sério sustentar-se que é nela que radica a origem das nossas presentes aflições.

É ao contrário: a crise financeira com origem nos EUA alastrou a todo o mundo, provocou uma colossal retração económica, levou ao fecho de empresas e ao disparo do desemprego, contraíu o comércio mundial, quebrou a procura interna, baixou as receitas fiscais, contaminou os estados e fez pular o endividamento público. Em resultado, os estados têm agora dificuldade em financiar as suas despesas sociais.

Percebeu, senhor padre? Reze duas avés-marias e três padres-nossos, que a gente perdoa-lhe.
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A pouco e pouco isto começa a fazer sentido

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Considere as seguintes máximas de filosofia política:

1. Pessoas sérias com a mesma informação chegam necessariamente às mesmas conclusões.

2. A responsabilidade política deve ser criminalizada.

3. Haveria grandes vantagens em suspender a democracia por seis meses.

Ligue os pontos e, depois, rasgue pelo ponteado.
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17.10.11

Diário de um trampolineiro (2010-11)

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Os bancos, as mais recentes vítimas da euro-estupidez

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Por estranho que pareça, os bancos estão agora a ser vítimas da mesma euro-estupidez que já nos arruinou a todos.

Insistir na recapitalização acelerada dos bancos neste momento, ainda por cima exigindo que ela seja feita país a país, equivale a decretar uma colossal contração do crédito no momento em que ele faz mais falta.

Se, como Trichet recentemente reconheceu, o sistema financeiro europeu enfrenta um risco sistémico, o que é preciso é encará-lo de frente, o que significa que o Banco Central Europeu deverá assumir o seu papel de emprestador de última instância, ou seja, de garante do sistema.

Naturalmente, a garantia oferecida implicará uma monitorização muito apertada das atividades dos bancos dos diversos países, retirando o apoio àqueles que se recusem a cooperar.

Entretanto, a resolução do problema das dívidas soberanas não pode continuar a ser adiada.
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16.10.11

Dêem-lhe tempo, que ela chega lá

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Fazia sentido, no princípio deste ano, face à dupla pressão dos mercados financeiros e da União Europeia, que o governo português se esforçasse por ganhar tempo.

Tendo em conta que 80% do acréscimo do défice orçamental desde o início da crise se deveu à perda de receita fiscal resultante da quebra da atividade económica, poder-se-ia esperar que a retoma europeia desse uma contribuição decisiva para resolver o problema.

Mesmo assim, a viabilidade dessa estratégia dependia de forma crucial da criação de uma frente comum interna que, unindo os principais partidos, reforçasse a nossa capacidade negocial face à União Europeia.

Sabe-se que isso não aconteceu. O impropriamente chamado PEC IV, que visava precisamente ganhar tempo e proteger os portugueses do pior, foi alegremente chumbado por uma raivosa coligação anti-Sócrates.

Fomos então forçados a negociar com o FMI, o BCE e a Comissão Europeia nas piores condições imagináveis. De um lado, um governo enfraquecido pela oposição maioritária que lhe tirara o tapete no momento menos oportuno; do outro, uma troika entusiasticamente estimulada pelos partidos de direita e por uma parte substancial dos media a impor drásticas condições ao país.

O acordo foi o que se sabe. Ainda assim, o novo governo prometeu de imediato ir ainda mais longe. Como desperdiçar esta oportunidade, há tanto tempo aguardada, de humilhar os pobres, esmagar os trabalhadores e desmoralizar a classe média?

E é neste momento que, com a gigantesca fraude política à vista de todos, Manuela Ferreira Leite vem pedir a renegociação com a troika das medidas a tomar e do prazo de ajustamento do défice. Mas onde é que a senhora tinha a cabeça quando exigiu o chumbo do PEC IV, que visava precisamente isso? Mais alguns meses, e ela chega lá.
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14.10.11

Trabalhar mais para quê?

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Uma ideia nova com barbas: aumentar os horários de trabalho, como alternativa a baixar os salários, porque isso permitiria aumentar a produtividade e a competitividade das empresas.

Primeira observação: trabalhar mais horas não aumenta a produtividade - que deve medir-se por hora trabalhada – mas reduz, de facto, o custo do trabalho por unidade produzida. Todavia, ao contrário do que se diz, os nossos problemas de competitividade têm pouco a ver com esse factor.

Sabe-se que o Banco de Portugal afirmou durante anos que os custos unitários de trabalho em Portugal cresceram muito mais rapidamente que os da Alemanha e que isso tornou as empresas portuguesas cada vezes menos competitivas.

Todavia, as nossas empresas não competem com as alemãs, mas sim com as chinesas e as do leste europeu. Além disso, o Banco de Portugal reconheceu há dois anos que as tais estatísticas estavam mal calculadas, pelo que, embora continuem a ser amplamente citadas cá dentro e lá fora, não ocorreu qualquer agravamento relativo dos custos unitários do trabalho em Portugal.

Dir-se-á, porém, que o aumento das horas de trabalho não poderá fazer mal à saúde da economia portuguesa.

Há quem tema que ele contribuirá para reduzir a procura no mercado laboral e para aumentar o desemprego, mas esse argumento económico não é correto (ou, pelo menos, carece de rigor).

Todavia, é bem provável que a medida tenha consequências negativas sobre a produtividade global. Vejamos por quê.

A baixa produtividade portuguesa não resulta de as pessoas trabalharem poucas horas, mas de estarem em grande parte ocupadas em atividades de baixo valor acrescentado, tantos industriais como de serviço.

O caminho certo é, pois, deslocar os trabalhadores dos sectores de baixa produtividade para os de alta produtividade. Sucede que o aumento dos horários de trabalho entravará esse processo ao proteger atividades que ocupam principalmente gente que desempenha funções que exigem pouco qualificação (basicamente, foi isso que, com a desenfreada distribuição de subsídios, se fez nos governos de Cavaco Silva).

Concluindo, em si mesmo, o alargamento dos horários de trabalho não tem porque aumentar o desemprego, mas não só não aumenta a produtividade como é provável que entrave o seu crescimento, prejudicando, desse modo, a melhoria de competitividade da economia como um todo.

Em compensação, a decisão cairá bem no goto dos ignorantes que julgam que trabalho produtivo equivale a suor, esquecendo que em Portugal (e, em particular, nas atividades de serviço, onde há menos fiscalização) já se trabalha demasiado tempo.
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O Sr. Presidente da Comissão Liquidatária falou ao país

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Nos últimos dias, os jornais foram publicando bocadinhos do orçamento geral do estado de mistura com tretas de conveniência, enquanto os partidos da oposição eram mantidos na mais completa ignorância sobre o seu conteúdo.

À hora marcada, enquanto o PM dava os últimos retoques na maquilhagem e acabava de apertar o nó da gravata, a repórter da RTP anunciava a descoberta de um buraco de 4 mil milhões no próximo ano (!), circunstância que obrigara o governo a introduzir novas e brutais medidas de austeridade.

Passagem para o estúdio, onde o editor de economia Paulo Ferreira, aparentando grande familiaridade com a mensagem que o PM iria comunicar, passou a explicar o que ainda não fora dito.

Finalmente, lá apareceu o galã de telenovela venezuelana que, sempre de olhar fugidio, confirmou o que os arautos da TV pública minutos antes haviam anunciado, num relambório mal embrulhado e interminável que deixou de rastos o empregado do senhor Ângelo e da srª Ângela.

O estilo é o homem.
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12.10.11

Sair ou não sair do euro

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O meu artigo desta semana no Jornal do Negócios - "Há um túnel ao fundo do túnel" - retoma a questão tabú da eventual saída de Portugal do euro.

Em minha opinião, deveríamos começar desde já a discutir se haverá futuro para o país no seio da zona euro e que tipo de rearranjo na arquitetura do sistema monetário europeu deverá ocorrer para que a resposta seja positiva.
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11.10.11

O Relvas vai-se roer todo quando vir isto

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10.10.11

É a estupidez, estúpido

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Só uma pessoa muito estúpida pode escrever isto:
"If the euro is to remain a viable currency across the eurozone, members must behave in the responsible manner contemplated in the Maastricht treaty. But it is not clear that culture, so integral to a nation’s personality, can be easily altered. As Kieran Kelly noted last week: “... if I lived in a country like this [Greece], I would find it hard to stir myself into a Germanic taxpaying life of capital accumulation and arduous labour. The surrounds just aren’t conducive.”"
Pois imaginem voces que quem assina estas linhas é nada mais nada menos que o ex-presidente da Reserva Federal Alan Greenspan.
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9.10.11

A poucas horas da atribuição do Nobel da Economia

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Há quem diga que todas as teorias económicas são erradas, mas algumas são úteis.

Robert Shiller refutou há muitos anos a hipótese dos mercados eficientes mostrando que, na verdade, eles tendem a reagir exageradamente a notícias positivas ou negativas, e, além disso, alertou com grande antecipação para a crescente irracionalidade financeira que haveria de desembocar na crise do sub-prime.

A atribuição do Nobel a Shiller teria, por isso, o valor pedagógico de valorizar a teorização útil da economia.

Pelo contrário, se o prémio fosse para Robert Barro as teorias erradas e inúteis sairiam por cima. Reconheço génio intelectual a Barro, mas considero que revela uma grande falta de consideração pela realidade dos factos. O seu manual de Macroeconomia (já na 5ª edição) assemelha-se muito a um tratado de geometria, partindo de um punhado de axiomas (neste caso extraídos da microeconomia) para daí deduzir uma infinidade de proposições insuficientemente testadas. (Mas é claro que ele poderia sempre ser premiado pela sua investigação no domínio da macroeconomia do desequilíbrio, que cultivou na juventude...)

Quando a Paul Romer, os seus admiradores consideram que ele renovou a teoria do crescimento. Eu estou cada vez mais convencido que ele a liquidou de vez, mas, seja como for, concordo que o Nobel lhe assentaria bem.

Outros economistas que merecem o Nobel: Jorgenson, Thaler, Krueger e Milgrom.
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8.10.11

Steve Jobs, Golias e o futuro da Apple

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Toda a gente concorda que Steve Jobs foi um grande inovador. Mas que inovou ele ao certo?

O interface gráfico com o utilizador e o rato, que fizeram o sucesso do Mac, foram inventados pelo centro de investigação da Xerox de Palo Alto. O iPod foi uma variante de MP3, o iPhone um modelo de smartphone. Anos antes do iPad, não esqueçamos, a Microsoft lançara o Tablet PC.

Não por acaso, o Next e o Newton, porventura as suas mais ousadas criações, redundaram em completos fracassos.

Jobs foi, desde logo, um génio do design. Repetidamente, agarrou em dispositivos obnóxios e transformou-os em objetos de utilização agradável para pessoas comuns.

Mais: usou com inigualável mestria o poder das palavras para dar um sentido mágico a essas coisas, e aí residiu o seu talento de marketing. Começou por apodar o computador pessoal de ferramenta ao serviço da libertação do indivíduo - do eu autónomo, irrequieto e explorador - uma das mais mobilizadoras ficções do mundo contemporâneo.

iMac, iPod, iPhone e iPad, todas estas designações remetem para o mito da capacidade transformadora do eu mínimo e solitário, mas irredutível e poderoso. Sem essa inspiração, jamais o entusiasmo de um punhado de visionários informáticos poderia ter-se transformado no vasto movimento de digitalização da economia, da cultura e da sociedade cujas consequências estamos ainda a descobrir.

A construção de um inimigo desempenhou um papel central na transmutação da contra-cultura californiana dos anos 60 que Jobs viveu intensamente no culto do empreendedorismo multimilionário de jeans e tee-shirt. A IBM foi, numa primeira fase, a encarnação ideal do sistema industrial-burocrático ao qual a Apple se opunha, mais tarde substituída pela igualmente odiada Microsoft enquando ícone atualizado de um poder totalitário e opressivo.

A cruzada populista de Jobs inspirou-se de forma evidente no lendário combate de David contra Golias, um mito constitutivo essencial do espírito democrático americano.

O futuro da Apple encontra-se por isso ameaçado não só pela morte do guia espiritual que conduzia os seus destinos com mão de ferro, mas também, em não menor grau, pelo facto de a Apple ter entretanto ocupado o lugar do odiado Golias.
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Vamos brincar aos stress tests?

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A Thomson Reuters colocou online um simulador que permite avaliar o grau de risco de uma lista de bancos europeus para vários cenários de incumprimento dos países cujas dívidas soberanas ameaçam maior risco.

Vejam aqui e ensaiem as vossas hipóteses.
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7.10.11

Uma oportunidade aberta pela crise europeia

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Uma das escassas coisas boas da presente crise é que, pela primeira vez, a política europeia ocupa o lugar central na discussão política europeia.

Trata-se de uma grande mudança. Até há pouco, as opiniões públicas nacionais encontravam-se quase inteiramente focalizadas em matérias de política interna. Por um lado, as questões europeias permaneciam reservadas a uma restrita elite de políticos, diplomatas e, em menor escala, de gestores de empresas transnacionais. Por outro, os eleitores pediam aos políticos locais responsabilidades pela sua incapacidade de resolverem problemas que, verdadeiramente, não tinham poder para resolver.

Esta situação era duplamente perigosa, porque minava a democracia no interior dos estados-nação ao mesmo tempo que inibia a emergência de uma democracia autêntica ao nível europeu.

A situação melhorou um pouco, mas não necessariamente no sentido mais desejável, porque a visão política hoje dominante tende a opor povos a povos: alemães contra gregos, portugueses contra finlandeses, britânicos contra franceses e por aí fora.

Procura-se fomentar a ideia de que os países diligentes estão a ser obrigados a pagar a fatura dos países desleixados. Parece assim normal que os alemães, os austríacos e os holandeses se sintam insatisfeitos por terem que pagar as dívidas dos gregos, dos portugueses, dos irlandeses, dos espanhóis e dos italianos.

Nada disto tem fundamento, pois o chamado socorro aos países periféricos (na verdade empréstimos que cobram juros nada meigos) pode igualmente ser visto como uma ajuda de emergência aos bancos dos países centrais que se encontrarão em apuros casos ocorra uma ruptura de pagamentos.

Além disso, a ajuda de que os países com défices persistentes mais necessitam é que os países com excedentes persistentes abandonem as suas políticas mercantilistas irracionais que hostilizam a lógica da União Europeia e inviabilizam o funcionamento da zona euro. Pondo as coisas de uma forma mais direta: não precisamos de socorro alemão, precisamos que os salários alemães congelados há uma dúzia de anos aumentem, que os impostos baixem, que o consumo e o investimento aumentem e que, por decorrência, as importações aumentem e o excedente comercial baixe.

Quem se opõe a isto? Basicamente, o Partido Popular Europeu, que atualmente domina a grande maioria dos governos europeus, o conselho europeu, o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. Para que a democracia europeia funcione falta apenas que disponhamos de uma maneira de derrubarmos a orientação política que agora domina a União através do voto.

Para isso, é indispensável que o conflito entre povos seja substituído pelo confronto entre partidos com diferentes opções.
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5.10.11

O endividamento não é a causa última da crise

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Um amigo perguntava-me hoje: "Como pode resolver-se a crise com mais endividamento se o endividamento está na origem da crise?"

Convém talvez lembrar uma coisa muito simples: o problema de fundo não é o endividamento, é a incapacidade de os particulares, as empresas e os estados gerarem as receitas suficientes para pagarem as suas dívidas.

Por outras palavras, há duas variáveis na equação: a dívida e o rendimento. Se a dívida cresce mais depressa que o rendimento, há um problema. Se o rendimento cresce mais depressa que a dívida, não há problema nenhum.

Se as economias não crescerem, se o desemprego aumentar, se os salários baixarem e se as empresas falirem, ninguém vai conseguir pagar as dívidas.

O crescimento do endividamento nos EUA na década que precedeu a eclosão da crise financeira iniciada em Agosto de 2007 não pode aliás ser desligado da estagnação do salário mediano real dos trabalhadores americanos durante quase três décadas.

Por detrás da crise de sobreendividamento está uma tradicional crise de sobreprodução (ou sobreconsumo). É essa a causa profunda da situação presente.
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4.10.11

Esplendor à Relvas

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Considere as seguintes frases feitas:

1. Os portugueses já pagam muitos impostos.

2. Não podemos viver acima das nossas possibilidades

3. Foi a política do partido socialista que nos trouxe até aqui

4. Só as empresas criam riqueza

5. O governo não recua perante medidas impopulares.

6. Temos que descolar da Grécia.

7. Não queremos ser a Coreia do Norte.

8. Temos pela frente um caminho de dificuldades.

9. Os nossos adversários temem o nosso sucesso.

10. Não há vacas sagradas da democracia.

Agora escolha uma sequência aleatória delas, por exemplo: 9 - 7 - 1 - 4 - 8 - 2.

Fica assim: "Os nossos adversários temem o nosso sucesso. Não queremos ser a Coreia do Norte. Os portugueses já pagam muitos impostos. Só as empresas criam riqueza. Temos pela frente um caminho de dificuldades. Não podemos viver acima das nossas possibilidades."

Isto é o Relvas a falar.
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3.10.11

Amadorismo no posto de comando

Já toda a gente ouviu falar do relatório da comissão que o governo encarregou de estudar a fusão do AICEP com o IAPMEI e sua eventual integração no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mas será que alguém o leu?

Que deveríamos esperar de um tal documento? Para começar uma clarificação do propósito do trabalho encomendado à comissão. Em seguida, uma caracterização dos problemas que resultam da situação presente. Depois, a definição das possíveis estratégias alternativas e a avaliação dos seus méritos relativos. Por último, uma recomendação fundamentada ao governo sobre o melhor caminho a seguir.

Nada disso se encontra no caótico relatório. Começa com uma introdução que serve principalmente para tornar evidente como o presidente da comissão se acha uma pessoa fantástica e engraçadíssima. Em seguida, são propostas várias coisas muito vagamente relacionadas com aquilo que sabemos que o governo pediu, incluindo a criação de um conselho estratégico empresarial destinado a assessorar o primeiro-ministro, a comunicação de uma perceção positiva aos portugueses, a execução gradual da estratégia preferida e a unificação das redes externas do país. Por quê? Isso já é querer saber de mais.

Em seguida, anuncia-se que a comissão delineou três cenários alternativos, mas não chegou a acordo sobre qual será o mais indicado. Eis senão quando, para complicar ainda mais as coisas, salta da cartola uma nova “ideia”: a criação de uma instituição dedicada à atração do grande investimento estrangeiro. E o que opinaram então os membros do grupo de trabalho? Ora, o representante do CDS defende que o AICEP deve transitar para o controlo de Portas. Sem surpresa, o representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros acha o mesmo. Três membros preferem uma administração comum para o AICEP e o IAPMEI mas discordam aparentemente em certos detalhes que desentendi. Por último, o presidente da comissão faz alarde de uma grande familiaridade com a história diplomática portuguesa (sem que se perceba o propósito da exibição) mas reserva nas profundidades do seu espírito um parecer claro sobre o tema em debate.

Dir-se-ia que, respeitando o sábio princípio segundo o qual a função precede a forma, os autores do relatório deveriam primeiro ter tentado explicitar o que se pretende do AICEP, do IAPMEI e do Instituto do Turismo, para depois, clarificadas as suas missões, considerarem como poderia proceder-se a uma reestruturação capaz de conduzir a resultados melhores do que os atuais.

Mas é claro que, se fosse o propósito, outras pessoas teriam sido chamadas para a comissão. Não se conhece qualquer competência específica de Braga de Macedo na matéria, fora ser um amador de história diplomática. Quanto a Campos e Cunha, nem isso. Se o embaixador António Monteiro tem um pensamento próprio neste particular é algo que ainda desta vez não ficaremos a saber. Nuno Fernandes Thomaz é um cowboy profissional. Restam os dois representantes dos empresários, mas de um deles só fiquei a saber, após alguma pesquisa, que foi este ano condecorado por Cavaco Silva.

Um trabalho sério não poderia ter deixado de envolver, por exemplo, ex-presidentes do AICEP, do IAPMEI e do Instituto de Turismo. Se queriam académicos, teria sido mais indicado incluir algum especialista de marketing internacional e talvez alguém que entendesse de teoria das organizações, não macroeconomistas a leste dos mistérios práticos da atividade exportadora.

Tal como está o relatório documenta um surpreendente amadorismo, esperando-se, talvez ingenuamente, que não defina um padrão para futuras comissões chamadas a pronunciarem-se sobre temas cruciais de política económica.

Braga de Macedo orgulha-se de o trabalho da comissão apenas ter custado 2 mil euros. Muito caro, digo eu, para papel de embrulho.

23.9.11

O Ocidente é onde um homem quiser

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Os mais atentos terão notado que, na sua última aparição televisiva, Medina Carreira, entretanto transferido para a TVI no período do defeso, introduziu um novo número no seu usualmente limitado reportório.

Tal como a nova maioria, Medina descobriu que, afinal, as coisas também não têm corrido "lá fora" às mil maravilhas. Para o provar, apresentou um quadro comparando as taxas de crescimento de um certo número de países na última década com as de há alguns anos atrás.

É certo que Medina manipulou a informação apresentada selecionando em benefício do seu argumento os países e os períodos de tempo que mais lhe convinham. É porém verdade que, bem antes do início da atual depressão, ocorrera já um significativo abrandamento do crescimento em muitos países desenvolvidos, incluindo os EUA, o Japão, a Alemanha e a Itália. Portugal foi apenas um caso particular, eventualmente mais grave, dessa tendência geral.

Como se explica essa evolução?

Para uns, a estagnação prolongada dos rendimentos reais dos trabalhadores em vários países, designadamente nos EUA e na Alemanha, desempenhou um papel crucial ao bloquear a procura interna ao mesmo tempo que, mercê da emergência da China como grande potência exportadora, perdiam quota de mercado no exterior.

Para outros, o abrandamento deveu-se à escassez de novas oportunidades de investimento, eventualmente em consequência de uma travagem relativa do progresso tecnológico.

Outros ainda acreditam que o esgotamento dos recursos do planeta levou ao encarecimento relativo das matérias-primas, tornando insustentável a manutenção dos níveis de crescimento a que nos habituáramos.

Tais subtilezas de raciocínio interpretativo não comovem, porém, Medina Carreira, sem dúvida por ser difícil transformá-las em slogans excitantes para as massas.

De modo que optou antes por sacar do seu ficheiro de lugares comuns a velha ameaça da decadência do Ocidente, a qual, ainda por cima, lhe permite repisar a ladainha da alegada degradação dos nossos costumes por comparação com os das esforçadas nações de pele escura ou olhos em bico que se preparam para tomar conta dos nossos mercados, das nossas terras, das nossas casas e das nossas mulheres.

Para mal dos seus pecados, a realidade encaixa mal nessa tese apocalíptica, a menos que estejamos dispostos a adotar um conceito de Ocidente muito peculiar.

Gostaria que ele nos explicasse, por exemplo, se o Japão integra agora o Ocidente, trocando com o imparável Canadá o lugar cativo que outrora ocupava no Oriente. Ou, alternativamente, se o Brasil - uma recente estrela no firmamento da economia global - se deslocou para as imediações da China.

O Ocidente é, por definição, o lugar da queda, por oposição ao Oriente onde todos os dias se ergue o sol que nos traz a luz e a vida. Invocar a decadência do Ocidente não passa, afinal, de uma inepta redundância que cai sempre bem entre quem quer furtar-se a pensar seriamente os problemas do nosso mundo.
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22.9.11

O que faz falta

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"Pois é, faltam medidas para fazer crescer a economia..."

De maneira que saca-se da gaveta a estafada lenga-lenga das "reformas estruturais" e estará o caso resolvido: teremos crescimento a rodos em resultado de coisas tão simples como a liberalização dos mercados laborais e a venda de umas quantas ações que o Estado ainda detém numa mão cheia de utilities.

Acreditar nisso equivale a supor que o crescimento pode ser decretado no Diário da República, resultando automaticamente de certas alterações legislativas.

Ora o crescimento permanece um processo relativamente misterioso ou, pelo menos, muito mal compreendido. Sabemos que certas condições o favorecem e que outras o inibem, mas ninguém sabe provocá-lo carregando num botão.

Coisa bem diferente - e mais fácil - é restaurar um certo nível de desenvolvimento que já tivemos e entretanto perdemos, por exemplo, por insuficiência de procura. Essa parte está ao nosso alcance, mas não se chega lá - bem pelo contrário - com a obsessão da austeridade.

A gestão da procura agregada foi inventada e teorizada vai para 80 anos, numa circunstância semelhante à atual, por um conjunto de políticos e economistas entre os quais se destacou John Maynard Keynes. Que tal ir recuperá-la ao baú?
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Estes gajos ainda matam alguém

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21.9.11

Hoje acordei assim

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de Kooning: Pink Angels.
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20.9.11

Hoje acordei assim

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de Kooning.
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Uma estratégia para sair do euro

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Diz-se que sairmos do euro teria hoje consequências catastróficas para nós.

Se não podemos sair teremos então, por assim dizer, que ficar. Mas, para ficarmos, seremos obrigados a eliminar o défice orçamental e a reduzir drasticamente o défice da balança de pagamentos.

Muito bem. Façamos então isso, mas com um propósito muito explícito: sair do euro.

É que, nessa altura, estancado o processo de endividamento, sair do euro só terá vantagens.

Poderemos inclusive anunciar desde já que faremos tudo para eliminar os défices tendo em vista a criação de condições para nos vermos livres desta casa de malucos que dá pelo nome de zona euro. Tal anúncio contribuirá para reforçar a credibilidade do nosso empenho no controlo da dívida.

Será o preço que pagaremos para deixarmos de ser governados por quem não elegemos. Podemos considerar isso uma espécie de luz ao fundo do túnel.
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19.9.11

Europa: mais tamanho que juízo

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16.9.11

O choque do óbvio

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Quem recorda os rudimentos da microeconomia que se aprende nas escolas sabe que o preço de um bem ou serviço deve ser igual ao seu custo marginal.

Ora o custo marginal da passagem de mais um carro numa auto-estrada não congestionada é zero; logo, nessas circunstâncias, o preço deve ser zero. A cobrança de portagem não tem racionalidade económica.

Agora, leiam isto:
Segundo se pode ler nesta peça do Público, “Governo remete resposta sobre portagens nas ex-SCUT para estudo do executivo “, as receitas obtidas com as atuais Ex-Scuts portajadas correspondem a 1/3 do esperado, pondo em causa a razoabilidade da nova modalidade dado que as infraestruturas, por um lado ficam claramente sub-utilizadas (diminuindo o seu potencial impacto positivo na atividade económica das respetivas regiões) e, por outro, não geram receitas significativas que permitam ajudar a financiar as compromissos assumidos pelos Estado junto das concessionárias. No estado atual as ex-scuts portajadas parecem representar uma situação de perda global para o Estado e para os utentes, eventualmente manter-se-á indiferente para as concessionárias.
Vêem o que acontece quando a estupidez toma conta de um país?
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Volta e meia aprende-se qualquer coisa de jeito nos blogues

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Ensinaram-nos que no princípio era a troca direta, depois veio o dinheiro para simplificar as relações comerciais e finalmente emergiu o crédito. Mas a evidência empírica recolhida por antropólogos e historiadores desmente essa narrativa: primeiro tivemos o crédito, depois o dinheiro e só no fim apareceu a troca direta. Tudo isto é muito bem explicadinho por David Graeber no seu Debt: The first 5,000 years.

Há dias, o autor resolveu responder no blogue Naked Capitalism a uma crítica de Robert Murphy, e o resultado foi um instrutivo post de que retirei os seguintes extratos:
The persistence of the barter myth is curious. It originally goes back to Adam Smith. Other elements of Smith’s argument have long since been abandoned by mainstream economists—the labor theory of value being only the most famous example. Why in this one case are there so many desperately trying to concoct imaginary times and places where something like this must have happened, despite the overwhelming evidence that it did not?

It seems to me because it goes back precisely to this notion of rationality that Adam Smith too embraced: that human beings are rational, calculating exchangers seeking material advantage, and that therefore it is possible to construct a scientific field that studies such behavior. The problem is that the real world seems to contradict this assumption at every turn. Thus we find that in actual villages, rather than thinking only about getting the best deal in swapping one material good for another with their neighbors, people are much more interested in who they love, who they hate, who they want to bail out of difficulties, who they want to embarrass and humiliate, etc.—not to mention the need to head off feuds.

Even when strangers met and barter did ensue, people often had a lot more on their minds than getting the largest possible number of arrowheads in exchange for the smallest number of shells. Let me end, then, by giving a couple examples from the book, of actual, documented cases of ‘primitive barter’—one of the occasional, one of the more established fixed-equivalent type.(...)

Economists always ask us to ‘imagine’ how things must have worked before the advent of money. What such examples bring home more than anything else is just how limited their imaginations really are. When one is dealing with a world unfamiliar with money and markets, even on those rare occasions when strangers did meet explicitly in order to exchange goods, they are rarely thinking exclusively about the value of the goods. This not only demonstrates that the Homo Oeconomicus which lies at the basis of all the theorems and equations that purports to render economics a science, is not only an almost impossibly boring person—basically, a monomaniacal sociopath who can wander through an orgy thinking only about marginal rates of return—but that what economists are basically doing in telling the myth of barter, is taking a kind of behavior that is only really possible after the invention of money and markets and then projecting it backwards as the purported reason for the invention of money and markets themselves. Logically, this makes about as much sense as saying that the game of chess was invented to allow people to fulfill a pre-existing desire to checkmate their opponent’s king.

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At this point, it’s easier to understand why economists feel so defensive about challenges to the Myth of Barter, and why they keep telling the same old story even though most of them know it isn’t true. If what they are really describing is not how we ‘naturally’ behave but rather how we are taught to behave by the market—well who, nowadays, is doing most of the actual teaching? Primarily, economists. The question of barter cuts to the heart of not only what an economy is—most economists still insist that an economy is essentially a vast barter system, with money a mere tool (a position all the more peculiar now that the majority of economic transactions in the world have come to consist of playing around with money in one form or another) [10]—but also, the very status of economics: is it a science that describes of how humans actually behave, or prescriptive, a way of informing them how they should? (Remember, sciences generate hypothesis about the world that can be tested against the evidence and changed or abandoned if they don’t prove to predict what’s empirically there.)

Or is economics instead a technique of operating within a world that economists themselves have largely created? Or is it, as it appears for so many of the Austrians, a kind of faith, a revealed Truth embodied in the words of great prophets (such as Von Mises) who must, by definition be correct, and whose theories must be defended whatever empirical reality throws at them—even to the extent of generating imaginary unknown periods of history where something like what was originally described ‘must have’ taken place?
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15.9.11

É muito chato, mas basicamente Thatcher estava certa

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Mr. Terence Higgins (Worthing) Will my right hon. Friend [the PM, Mrs Thatcher] take time between now and the conference in December to explain to her European colleagues what any first-year economic student could tell them, which is that the imposition of a single currency, as opposed to a common currency, would rule out for all time the most effective means of adjusting for national differences in costs and prices? Will she explain that that in turn would cause widespread unemployment, which would probably exist on a perpetual basis, and very serious financial imbalances?

The Prime Minister Yes, I agree entirely with my right hon. Friend. It would do just that. It would also mean that there would have to be enormous transfers of money from one country to another. It would cost us a great deal of money. One reason why some of the poorer countries want it is that they would get those big transfers of money. We are trying to contest that. If we have a single currency or a locked currency, the differences come out substantially in unemployment or vast movements of people from one country to another. Many people who talk about a single currency have never considered its full implications. (...)

The Prime Minister: I think that I would put it just a little differently from the right hon. Gentleman [Tony Benn], although I recognise some of the force of some of the points that he makes. When the Delors proposals for economic and monetary union came out, it was said immediately by my right hon. Friend [ Nigel Lawson ] the then Chancellor of the Exchequer that this was not really about monetary policy at all but about a back door to a federal Europe, taking many democratic powers away from democratically elected bodies and giving them to non-elected bodies. I believe fervently that that is true, which is why I shall have nothing to do with their definition of economic and monetary union.

We shall continue the co-operation that we have come to establish, as nation states. The Act that enabled us to go into Europe was passed on Second Reading by eight votes and it was made very clear then that we would not surrender our national identity, that it was a matter of co-operation. It was on the strength of that that many people went in. I am afraid that it would be quite different if we went for a single European currency and a central bank and for their definition of economic and monetary union.

Mr. Churchill (Davyhulme): Will my right hon. Friend tell the House how far she believes that, when the moment comes, Germany will be prepared to see the transfer of its monetary policy from the Bundesbank to a European central bank on which it will have one voice out of 12?

The Prime Minister: I think that it is wrong to think that all the Twelve have similar votes or influence in these matters. I think that some in Germany—only some—are backing the scheme because they know that the dominant voice, the predominant voice, on any central bank would be the German voice. If we did not retain our national identities in Europe, the dominant people in Europe would be German. The way to balance out the different views of Europe, as we have traditionally done throughout history, is by retaining our national identity.

Encontrado aqui.
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14.9.11

O que fazer em circunstâncias de incerteza radical?

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Há cerca de um ano alvitrei aqui a possibilidade de o Mundo estar a entrar numa nova época de crescimento baixo ou mesmo nulo. Uma apreciação benigna sugere que a ideia não despertou grande interesse.

Hoje, porém, Pedro Lains propõe no Jornal de Negócios um argumento similar e recomenda-nos que, perante tão radical incerteza, pensemos sobre as consequências que a eventualidade de um prolongado período de estagnação deveria ter sobre o modo como pensamos as possíveis respostas à crise internacional:
E se a crise em que estamos atravessados mudar de novo o "steady state" do crescimento da economia internacional? Isso pode acontecer. Podemos estar a chegar a um novo equilíbrio. Ninguém nos diz que daqui para a frente o mundo ocidental não voltará a crescer abaixo de 2% ao ano, ou próximo de 1%. Talvez na Europa, por exemplo, as economias mais pobres cresçam um pouco acima desses valores, pois, afinal, sempre haverá alguma recuperação do atraso a fazer. Mas, mesmo aí, o crescimento pode ser menos do que o que se registou desde meados da década de 1980. (...)

A Europa tem vindo a fazer frente à crise com medidas importantes de injecção de liquidez nos mercados, quer por parte dos governos, através dos défices e do aumento da dívida, quer por parte dos bancos centrais, incluindo o Banco Central Europeu. Essas medidas foram crescentemente acompanhadas por medidas de austeridade e de reestruturação institucional, um pouco por todo o lado, para evitar que as medidas de socorro beneficiassem mais uns do que outros, para evitar beneficiar mais os "pecadores" do Sul do que os "santos" do Norte. Por trás de todo esse grande programa está ainda, todavia, a ideia de que o crescimento económico regressará às taxas conhecidas anteriormente, e de que esse crescimento ajudará os estados a equilibrarem as contas, por via do aumento das receitas, e as economias a diminuir a dependência do financiamento externo, por via do crescimento da produtividade.

Ora, se o crescimento não retomar os ritmos anteriores, todo esse plano cai por água abaixo. E mesmo que haja alguma retoma na rapidez do crescimento, se ela demorar tempo a chegar, entretanto a economia internacional pára às mãos dos problemas financeiros.

O que fazer, perante este cenário? (...) Quando não se sabe o que fazer em política económica e sobretudo em política económica internacional, em que se multiplicam vontades e centros de decisão, a única coisa a fazer é ganhar tempo.
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Incumprimento em italiano tem outra graça

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Sair do euro: um desígnio nacional?

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Imaginemos que uma parte substancial da nossa dívida - digamos, metade - se evaporava no ar.

Ficariam os nossos problemas resolvidos?

Provavelmente não, visto que, permanecendo inalterado o enquadramento institucional da zona euro, a política económica geral europeia permaneceria inalterada. Ora ela tem-nos sido sistematicamente prejudicial.

A Zona Euro manteve até 2007 taxas de juro demasiado baixas para Portugal, que potenciavam o crescimento descontrolado do endividamento. Fê-lo, porque isso era do interesse da Alemanha.

Desde 2007, a Zona Euro impõe-nos taxas de juro demasiado elevadas, que agravam a recessão e o desemprego em Portugal. Fá-lo, porque isso é do interesse da Alemanha.

As duas décadas decorridas desde o lançamento do Sistema Monetário Europeu demonstram à saciedade que nós não estamos aqui a fazer nada. É hoje mais que evidente que a pertença à Zona Euro não tem para nós nenhuma vantagem e tem todos os inconvenientes.

O país deixou de ter política monetária e cambial própria, perdeu controlo sobre a sua política fiscal e ficou muito condicionado nas suas políticas industriais. Numa palavra, prescindiu da sua soberania entregando poder de decisão a quem não acautela minimamente os nossos interesses.

Tudo isto é hoje óbvio, tal como é óbvio que, descontando a eventualidade de uma reforma do Euro cada vez mais improvável, o futuro imitará o passado.

Escusam de me explicar que a saída da zona euro não é de momento possível, porque eu proponho apenas que essa opção seja seriamente encarada e estudada.

Quanto ao momento adequado, ele virá quando se tornar claro que os elevados custos de ficar são afinal superiores aos elevados custos de sair.
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13.9.11

Bem visto

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Matthew Yglesias chama a atenção para duas ou três coisas usualmente descuradas quando se fala dos elevados spreads de algumas dívidas soberanas europeias:
Consider a statement like “Italian 10-year yields, which have recently taken up the mantle of prime eurozone stress gauge, and which at one point hit 5.75 per cent, are trading at 5.67 per cent up 10 basis points on the day.” U.S. 10-year Treasury yields were usually higher than that throughout the 1980s and 1990s. That’s not because the United States in 1997 was a bad default risk, it was just a pretty banal market price for a security in which investors had lots of other options. Our yields ended up consistently below five percent only after the dot-com bubble burst, and were a product of the ensuing recession and Chinese currency policy. Now of course Italy’s bonds aren’t trading in the high 5 percent range because of a strong growth outlook. They really are that high as a risk premium over Germany. But the point about that is that to have large spreads when Italian yields aren’t even especially high, German interest rates would have to be freakishly low.

What you’re seeing here, I think, is not just a reflection of market sentiment that German debt is safer than Italian debt, but also deep pessimism about the growth outlook in even the “healthy” European countries. That’s not to say that the United States is doing much better on this score, but it is a bit of real talk for people who’ve gotten smug about Germany amidst the problems of Italy and Spain. The fact of the matter is that an unworkable currency union plus unworkable austerity policies are not serving any country’s concrete economic interests very well.
Sim, é verdade: o problema não é nem a dívida nem os juros, é o crescimento.
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Digamos, Vítor Gaspar

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"Emolientes são formulações semi-sólidas, viscosas e monofásicas, possuindo combinações de água, óleos e gorduras destinadas a ajudar a hidratar a pele e restaurar a oleosidade perdida devido ao ressecamento da pele.É o principal agente dos cremes hidratantes." (Wikipedia)
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Um gráfico preocupante

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Aqueles que gostam de repetir que em Portugal é escasso o espírito empreendedor e que os portugueses querem é empregos seguros nunca devem ter-se dado ao trabalho de olhar para estatísticas como aquelas que o gráfico acima nos revela.

Temos uma brutalidade de gente a trabalhar por conta própria ou em empresas familiares - essa é que é a verdade - com tudo o que isso implica de baixa produtividade e precariedade. Quando eu estudava chama-se a isso subemprego, uma palavra expressiva que, não sei porquê, caiu em desuso.

Já li argumentos explicando o fenómeno com as leis laborais supostamente rígidas que desincentivam a contratação de novos trabalhadores. Isso é esquecer: a) que em Portugal já tínhamos esta estrutura empresarial atomizada quando ainda não existia legislação protetora do trabalho; b) que países como o México, a Polónia ou a Hungria, próximos de nós neste ranking, têm mercados de trabalho muito pouco regulados.

O facto é que, entre nós, o setor empresarial propriamente capitalista da economia jamais conseguiu criar postos de trabalho em quantidade (e, já agora, qualidade) capaz de dar ocupação a uma parte substancial da força de trabalho nacional. Não é fácil perceber-se por que é assim, mas podemos estar certos que este modelo económico-social é uma receita segura para a improdutividade e a miséria.

A vontade entre nós de criar empresas assegurando aos próprios um posto de trabalho é indesmentível. Sucede que essa modalidade de empreendedorismo não é socialmente desejável nem economicamente recomendável: resulta de um mero expediente para evitar o desemprego e não gera nem economia inovadora nem atividades mais qualificadas.
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12.9.11

Por que é que a esquerda está a perder as eleições em tempo de crise?

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Todos assistimos já a debates em torno desta interrogação: Por que é que a esquerda está a perder as eleições em tempo de crise, quando as circunstâncias deveriam em princípio ser-lhe favoráveis?

Antes de começar a tomar posição, talvez convenha saber que o pressuposto é infundado. Após estudar os resultados de 31 eleições parlamentares em 26 países da OCDE, Larry Bartels concluíu:
"My analyses suggest that voters consistently punished incumbent governments for bad economic conditions, with little apparent regard for the ideology of the government or global economic conditions at the time of the election. I find no evidence of consistent ideological shifts in response to the crisis, either to the left or to the right."
Não ocorreu, por conseguinte, qualquer deslocação sistemática para a direita nos últimos tempos. Pura e simplesmente, os eleitorados têm tendido a punir, desde o início da recessão, os partidos que sucede encontrarem-se no poder.

Tampouco se trata, porém, de uma mera chicotada psicológica, visto que políticas orientadas para o estímulo à economia parecem merecer o apoio dos eleitorados. Vale a pena ler na íntegra Ideology and Retrospection in Electoral Responses to the Great Recession, até porque inclui um estudo detalhado dos confrontos eleitorais em Portugal nos anos recentes.
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8.9.11

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É bom o défice ficar abaixo da meta?

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Parece cada vez mais óbvio que o propósito do governo ao "ir para além do compromisso com a troika" tem em vista não colmatar desvios que já se compreendeu não existirem mas proteger-se contra eventuais más surpresas, venham elas do lado das receitas ou das despesas.

Decorre daí que, se tudo correr dentro da normalidade, o défice será inferior à meta traçada.

Muita gente parece considerar isto uma coisa boa, na medida em que, ao reduzir as necessidades adicionais de financiamento do Estado português, permitir-nos-á voltarmos a conseguir crédito nos mercados internacionais.

Esta linha de raciocínio enferma de duas falhas.

Em primeiro lugar, o aperto adicional pode ajudar o governo a dormir melhor, mas piora dramaticamente a vida de muita gente, seja por ver o seu rendimento real reduzido, seja, pior ainda, por perder o seu posto de trabalho.

Em segundo lugar, a queda da procura interna provocada pelas medidas adicionais conduzirá a breve trecho à diminuição das receitas e também, nalguma medida, ao aumento dos encargos com prestações sociais, com consequências negativas para a consolidação orçamental.

É isso que em parte está a acontecer na Grécia, agravando os receios de que a ausência prolongada de crescimento desencadeie o incumprimento das suas obrigações financeiras.

Há boas razões para o objetivo do défice não ser mais baixo do que é em 2011. Elas têm a ver com a cuidada gestão dos equilíbrios financeiros, económicos e sociais que a presente situação exige.

Ao contrário do que à primeira vez possa parecer, ficar abaixo da meta pode, portanto, revelar-se tão mau como ficar acima dela.
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