19.1.11

O ruralismo é uma ideologia retrógrada

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O número de comentários ao meu post "Fanáticos da ruralidade" (79 até ao momento, não contando alarvidades que censurei) sugere que toquei num nervo sensível. Algumas curtas observações, porque o país aguarda ansioso que o guiemos na resolução de outros graves problemas:

1. Escolhi para ilustrar o meu post uma deslumbrante imagem de linha férrea arcaica. Isso significa que sou sensível a estes trechos de beleza nostálgica que com frequência o progresso condena ao abandono.

2. Sou um apaixonado por cidades - de preferência, grandes - mas nem desprezo os campos nem contesto o gosto de quem se dá mal com meios urbanos. Mas uma coisa são as preferências individuais, outra as escolhas colectivas.

3. Muitos comentadores acreditam que o interior manda os seus impostos para a capital, mas a realidade é a inversa: é a capital que manda uma parte das receitas dos seus impostos para o interior - e, aliás, é assim que está certo.

4. O actual desordenamento do nosso território não protege o ambiente. Bem pelo contrário, a dispersão de núcleos urbanos minúsculos degrada e destrói a paisagem. Os países que melhor organizam as suas cidades são também, por regra, aqueles que melhor cuidam da parte da natureza que lhes caíu em sorte.

5. As próprias áreas metropolitanas de Lisboa e Porto mais parecem hoje federações desarticuladas de aldeias. A ideologia ruralista infectou inclusive as práticas urbanísticas. Note-se, por exemplo, que a área metropolitana de Lisboa ocupa uma superfície equivalente à de Los Angeles, mas tem uma população várias vezes inferior.

6. O desarranjo do território é a principal causa da fragilidade do transporte público, o qual só pode ser a um tempo útil e economicamente eficiente se as populações estiverem geograficamente concentradas. Não estando satisfeita essa condição, o transporte privado triunfa.

7. Eu sei que quem reside no interior não acredita nisto, mas o acesso aos serviços públicos é hoje frequentemente pior nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto que no resto do país.

8. Sei também que toda a gente parece acreditar que a agricultura portuguesa foi abandonada e que importamos quase tudo o que comemos, mas esse é outro engano que noutra ocasião abordarei.

9. Algumas pessoas que viajaram por paragens distantes como a Suécia e a Suíça acreditam ser a distribuição espacial da população nesses países mais dispersa do que cá. Estão iludidos: nenhum país da Europa tem uma tão pequena proporção dos seus habitantes a residir em grandes aglomerados como nós.

10. É verdade que as empresas de transportes públicos de Lisboa como a Carris e o Metro não deveriam ser financiadas directamente pelo orçamento geral do Estado, mas pelos municípios servidos, a exemplo do que sucede no resto do país. Mas quem paga isso não é o interior.

11. Um comentador faz-me ver que a Lousã é hoje um subúrbio de 15 mil habitantes, onde residem pessoas que todos os dias vão trabalhar para Coimbra. Ora o meu ponto é precisamente denunciar esse absurdo: não faz sentido algum que uma cidade pequena como Coimbra tenha um subúrbio a 30 kms de distância.

12. Outro comentador afirma que uma estação de metro em Lisboa custa mais que a linha da Lousã. Duvido, mas asseguro-lhe que uma estação de metro em Lisboa tem uma utilidade muito superior à de uma linha de Coimbra à Lousã.

13. Apesar de todos os meus argumentos, ee as populações de Coimbra e da Lousã valorizam muito a ligação ferroviária, cabe aos seus municípios assegurar o investimento nessa infraestrutura e a sua respectiva manutenção. É de certeza uma aposta mais justificada que a de Leiria na construção de um estádio de futebol.

14. A chamada "desertificação" do interior deve ser encarada como um progresso no sentido de uma ocupação mais racional do território. Corresponde à florestação de terras sem aptidão agrícola e à concentração da agricultura nas regiões com maior potencial. Toda a gente (vá lá: quase toda a gente) ganhou com esse processo.

15. O ruralismo é uma ideologia retrógrada que mitifica a realidade rural. A sua persistência não beneficia as pessoas nem preserva a natureza.
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7 comentários:

Sibila Publicações disse...

De acordo, alguns destes pontos derrubam ideias pré-concebidas que a realidade prova estarem erradas, e de maneira gritante. Destacaria os pontos 3, 4, 6, 7, 9, o 11 é uma verdadeira paulada na cabeça, 12, 14 e o 15 é outra ideia que custa perceber o país ainda não ter feito uma reflexão profunda, acerca. Não é possível – se ainda não fez, é pq muita gente anda a ganhar e a viver à grande do ruralismo.
Isso dava um... "Prós & Contras" – na falta de melhor fórum.

João Pedro Lopes disse...

Viva

Não era utilizador da automotora nem virei (viria) a ser do metro. Nenhum argumento me convence que é natural retirarem um transporte com a promessa de um novo e este não se concretizar. Sério na vida privada, sério perante o Estado, sinto-me esmagado nos meus direitos por não poder exigir igual seriedade do Estado perante o cidadão.

João Pedro Lopes disse...

Viva

Não era utilizador da automotora nem virei (viria) a ser do metro. Nenhum argumento me convence que é natural retirarem um transporte com a promessa de um novo e este não se concretizar. Sério na vida privada, sério perante o Estado, sinto-me esmagado nos meus direitos por não poder exigir igual seriedade do Estado perante o cidadão.

Dario Silva disse...

Ao sr. cronista só falta assumir-se: venham todos morar para Lisboa, viveremos de importações e de férias por avião em destinos "de sonho".
A sério, viajou alguma vez na Linha da Lousã, do Tâmega, Corgo, Tua ou Sabor?
(de entre outras possíveis)

Rui Monteiro disse...

Concordo com tudo se perdoar a linguagem hiperbólica. O despovoamento está longe de, em Portugal, ter provocado um processo de ajustamento estrutural do sector agro-florestal que se veja. Não há floresta a substituir a agricultura nos terrenos com menor aptidão agrícola. Há abandono e ponto final, e colectivamente pagamos as externalidades que esse abandono provoca. Mas essa é uma conversa longa que mete o sempre adiado cadastro da propriedade rústica e a existência de uma política fiscal que incida sobre ela como acontece noutros países. Nunca percebi muito bem o que eram reformas estruturais, mas se esse conceito existir, esta é que é uma delas.

Não estou é de acordo consigo no primeiro parágrafo. O processo de desenvolvimento económico tem uma tradução territorial e vice-versa. Chegámos ao que chegámos do ponto de vista do endividamento externo, porque gerámos um processo de acumulação exactamente baseado nas mais valias imobiliárias que resultaram da falta de uma política de solos. As nossas cidades, maiores ou menores, foram sendo construídas ao sabor disso. Praticamente não temos um único shopping, hipermercado ou equipamento público que não tenha sido construído em Reserva Agrícola; e foi com base nesses equipamentos que se foi, à volta, construindo cidade. Foi através da conversão de solo rural, mais barato, em solo urbano, mais caro, que começou a explosão do imobiliário a partir dos anos 90. Foi o imobiliário e a sua rentabilidade que drenaram os principais recursos humanos e materiais para a fileira da construção, produtora de bens não transaccionáveis e com forte incorporação de importações. Foi ele que gerou o endividamento das famílias. Como é evidente, por detrás disto tudo esteve a banca e a política monetária. Esta é uma das questões mais importante da economia portuguesa dos últimos vinte anos, penso eu.

Desculpe lá, mas estava a pensar escrever três linhas e já vou numas dezenas.

Sofia disse...

Meu caro Sr.

De forma geral, não partilho das suas opiniões expostas nestes pontos, mas não pretendo alargar-me em dissertações nem em confrontos de opiniões com cosmopolitas.

Não obstante, creio oportuno referir que, em relação ao seu ponto 8, deveria aprofundar a sua informação sobre importações.

Concretamente, aconselho-o a analisar as importações que Portugal faz à província da Estremadura em Espanha. Então verá que é Portugal que, praticamente, oferece toda a sustentabilidade desta província importando bens alimentícios, sobre tudo de bens agrícolas.

Creio que este facto reflecte que a agricultura em Portugal, se não está abandonada, está a roçar esse limiar.

Frederico Lucas disse...

Caro João,
Consigo compreender a sua visão: há excesso de custos com o "interior rural". É um facto.

O retorno desse investimento tende para 0.

Eu acredito no desenvolvimento do interior: No dia em que o Governo deixar de lhe atirar com dinheiro como se não existisse amanhã.

Por algum motivo ideológico ou saudosista, a palavra sustentabilidade não casa com ruralidade. E isso fará o João, e muitos outros, contestarem-na.

Por outro lado, os indíces de qualidade de vida estão nos territórios de baixa densidade.
Se disser que neste caso, deveriam ser os habitantes do interior, que beneficiam dessa vantagem, que deveriam estar a subsidiar as medidas de mitigação dos impactos ambientais nas "Almadas" do nosso território, também concordo consigo.

No entanto, a concentração metropolitana é prejudicial à qualidade de vida, nomeadamente a económica. Isto é, no actual contexto de racionalização de recursos, o interior é a solução. Não foi vítima dos factores que destruiram a sustentabilidade de muitas famílias.

Hoje, o interior está carregado de hardware territorial. É tempo de desenvolver software territorial para gerar valor com os investimentos envolvidos.