3.10.11

Amadorismo no posto de comando

Já toda a gente ouviu falar do relatório da comissão que o governo encarregou de estudar a fusão do AICEP com o IAPMEI e sua eventual integração no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mas será que alguém o leu?

Que deveríamos esperar de um tal documento? Para começar uma clarificação do propósito do trabalho encomendado à comissão. Em seguida, uma caracterização dos problemas que resultam da situação presente. Depois, a definição das possíveis estratégias alternativas e a avaliação dos seus méritos relativos. Por último, uma recomendação fundamentada ao governo sobre o melhor caminho a seguir.

Nada disso se encontra no caótico relatório. Começa com uma introdução que serve principalmente para tornar evidente como o presidente da comissão se acha uma pessoa fantástica e engraçadíssima. Em seguida, são propostas várias coisas muito vagamente relacionadas com aquilo que sabemos que o governo pediu, incluindo a criação de um conselho estratégico empresarial destinado a assessorar o primeiro-ministro, a comunicação de uma perceção positiva aos portugueses, a execução gradual da estratégia preferida e a unificação das redes externas do país. Por quê? Isso já é querer saber de mais.

Em seguida, anuncia-se que a comissão delineou três cenários alternativos, mas não chegou a acordo sobre qual será o mais indicado. Eis senão quando, para complicar ainda mais as coisas, salta da cartola uma nova “ideia”: a criação de uma instituição dedicada à atração do grande investimento estrangeiro. E o que opinaram então os membros do grupo de trabalho? Ora, o representante do CDS defende que o AICEP deve transitar para o controlo de Portas. Sem surpresa, o representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros acha o mesmo. Três membros preferem uma administração comum para o AICEP e o IAPMEI mas discordam aparentemente em certos detalhes que desentendi. Por último, o presidente da comissão faz alarde de uma grande familiaridade com a história diplomática portuguesa (sem que se perceba o propósito da exibição) mas reserva nas profundidades do seu espírito um parecer claro sobre o tema em debate.

Dir-se-ia que, respeitando o sábio princípio segundo o qual a função precede a forma, os autores do relatório deveriam primeiro ter tentado explicitar o que se pretende do AICEP, do IAPMEI e do Instituto do Turismo, para depois, clarificadas as suas missões, considerarem como poderia proceder-se a uma reestruturação capaz de conduzir a resultados melhores do que os atuais.

Mas é claro que, se fosse o propósito, outras pessoas teriam sido chamadas para a comissão. Não se conhece qualquer competência específica de Braga de Macedo na matéria, fora ser um amador de história diplomática. Quanto a Campos e Cunha, nem isso. Se o embaixador António Monteiro tem um pensamento próprio neste particular é algo que ainda desta vez não ficaremos a saber. Nuno Fernandes Thomaz é um cowboy profissional. Restam os dois representantes dos empresários, mas de um deles só fiquei a saber, após alguma pesquisa, que foi este ano condecorado por Cavaco Silva.

Um trabalho sério não poderia ter deixado de envolver, por exemplo, ex-presidentes do AICEP, do IAPMEI e do Instituto de Turismo. Se queriam académicos, teria sido mais indicado incluir algum especialista de marketing internacional e talvez alguém que entendesse de teoria das organizações, não macroeconomistas a leste dos mistérios práticos da atividade exportadora.

Tal como está o relatório documenta um surpreendente amadorismo, esperando-se, talvez ingenuamente, que não defina um padrão para futuras comissões chamadas a pronunciarem-se sobre temas cruciais de política económica.

Braga de Macedo orgulha-se de o trabalho da comissão apenas ter custado 2 mil euros. Muito caro, digo eu, para papel de embrulho.

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