26.7.12

A bolha das PPP

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Leio no Negócios de hoje um interessante artigo sobre as vantagens relativas da eventual criação de uma sobretaxa sobre as PPP versus a sua renegociação.

Uma pessoa fica a saber o que acham o Banco de Portugal, Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa. Mencionam-se rumores sobre o estado das renegociações. Recorda-se os pareceres do Tribunal de Contas.

O que eu gostaria de saber, porém, é quanto pensa o governo conseguir recuperar com as suas altas manobras, sobretudo tendo em conta as expectativas recentemente criadas pelo PM em relação à possibilidade de evitar mais sofrimentos aos portugueses reduzindo os encargos com as PPP. De quantos milhares de milhões estamos a falar? Números, quero números!

Persistente como sou, fui lendo até ao fim, até encontrar na ultimíssima linha do artigo a seguinte revelação: "Segundo dados do Tesouro, em 2014 os encargos líquidos com as PPP rodoviárias vão ultrapassar os mil milhões de euros".

Note-se que 1º se fala de 2014, não de 2013 e 2º o número adiantado é deliberadamente vago (qualquer coisa como mil milhões de euros).

Ora bem, o PIB nominal português terá rondado em 2011 os 180 mil milhões de euros. Logo, as PPP rodoviárias (a parte substancial das PPP) equivalem a um nadinha mais do que 0,6% do PIB.

A primeira coisa a notar é a dimensão insignificante do encargo em termos relativos, o que deveria tornar ridícula a mera suposição de que a sua renegociação possa ter alguma importância para a redução do défice do sector público.

A segunda... bem a segunda é que, trabalhando muito muito muito bem, talvez o governo concretize o glorioso feito de poupar o equivalente a 0,02% do PIB, sabe-se lá com que custos escondidos.
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22.7.12

19.7.12

Uma imagem, mil palavras

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Gráfico que acompanha o artigo de Caldeira Cabral no Negócios de hoje: "Estratégia de consolidação chumbada", incompreensivelmente não inserido na edição em papel.
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18.7.12

Regresso ao ouro do Brasil

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O ouro do Brasil continua a excitar muito as pessoas, como se prova pelo teor das mensagens que recebi a propósito do meu artigo de ontem no Jornal de Negócios. Depois de 300 anos de lavagem ao cérebro, apresentando o episódio como paradigmático da incapacidade nacional de desenvolver o país, é natural.

Deixem-me explicar o que se passou de uma forma um pouco mais longa e, acredito, mais esclarecedora do que o fiz no Negócios.

Imaginem que, antes da descoberta do ouro, Portugal não tinha comércio externo. ou seja não exportava nem importava nada. Suponham adicionalmente, para simplificar as coisas, que existia na altura um perfeita integração entre as economias portuguesa e brasileira.

Considerem agora que destino poderia ser dado ao ouro quando ele foi descoberto. A primeira opção seria vendê-lo todo no mercado interno. O ouro poderia ser utilizado em objectos de luxo, mas esse mercado era relativamente pequeno. O principal destino era, pois, a amoedação.

Para se ter ideia da procura de ouro e prata na Europa como meios de pagamento naquele tempo, recorde-se que a exportação de metais precioso era por regra proibida. Logo, o afluxo de ouro veio facilitar muito as trocas e, por consequência, expandir o mercado interno e as trocas monetárias. (As estatísticas mostram que o stock de ouro disponível em Portugal aumentou muito rapidamente na primeira metade do século XVIII)

A partir de um certo ponto, porém, o aumento da moeda em circulação impulsionou o aumento dos preços, o que tornou as mercadorias portuguesas comparativamente mais caras do que as estrangeiras. Esse simples facto tenderia a favorecer as importações, desde o momento em que elas fossem livres (o que, de facto, não sucedia).

Excedendo a produção do ouro do Brasil as necessidades nacionais de amoedação, produção de artigos de luxo e entesouramento (lembre-se que ele representava cerca de metade da produção mundial), dir-se-ia que, para evitar a inflação interna e a importação de mercadorias, o mais indicado seria condicionar estritamente a sua extracção e comercialização.

Sucede que isso não era possível nem desejável. Não era possível, porque o controlo da Coroa sobre o território e a população do Brasil, já muito frágil antes da corrida ao ouro, diminuiu ainda mais depois dela, com o súbito acréscimo da população imigrante, o surgimento de novas e enormes povoações, o colapso da administração anterior e, inclusive, uma guerra civil entre bandos de paulistas e emboabas (predominantemente minhotos atraídos pelo ouro). A administração portuguesa não tinha pura e simplesmente possibilidade de proibir ou controlar razoavelmente a actividade, como resulta da dificuldade em cobrar o respectivo imposto.

Mas também não era desejável conter a produção de ouro. Em primeiro lugar, o ouro não foi propriamente o maná que hoje se supõe. Dava muito trabalho e implicava muitos riscos (inclusivamente mortais) pesquisá-lo, extraí-lo, purificá-lo, amoedá-lo, transportá-lo e comercializá-lo. Estima-se que, no seu auge, a actividade terá ocupado umas 400 mil pessoas, algo muito significativo num país cuja população total à época não ultrapassaria em muito os 3 milhões.

Depois, as guerras da libertação haviam deixado o estado português endividado, designadamente com a Inglaterra e a Holanda, e o ouro ajudou a recompor as finanças públicas. Ainda assim, não foi tão decisivo como se julga, porque o quinto do ouro nunca terá rendido mais que 10% das receitas da Coroa.

Finalmente, visto que a exploração do ouro era e é, num certo sentido, uma indústria como outra qualquer, não se compreenderia que um país pobre em recursos não tirasse proveito económico daqueles que possuía.

Havendo portanto excesso de produção em relação à procura interna, era inevitável que ele fosse exportado (quanto mais não fosse ilegalmente, como, de facto, aconteceu). Ora a exportação de ouro implicava o seu pagamento. Como? Com ouro? Isso seria absurdo.

Obviamente, o ouro teria que ser trocado por mercadorias. Logo, era inevitável que, excluindo o ouro, o país importasse mais do que exportava, isto é, era inevitável que registasse uma balança comercial altamente deficitária.

Outra alegação comum em favor da tese de que o país desperdiçou a riqueza gerada pelo ouro do Brasil é a de que deveríamos ter aproveitado a prosperidade para lançar as bases de uma indústria nacional. Ora foi precisamente isso que foi feito, dentro das limitações existentes na época. Construir indústrias a partir de nada (ou de muito pouco) não é uma tarefa fácil. Portugal carecia na época de mão de obra qualificada, de know-how tecnológico relevante e de instituições financeiras modernas, entre outras coisas. Além disso, como atrás referi, a própria abundância doméstica de meios de pagamento contribuía para encarecer a produção nacional. Mas o facto é que, nessa época, aumentou muito a importação de matérias-primas destinadas à indústria, designadamente provenientes da Rússia e da Suécia, países com os quais anteriormente quase não tínhamos relações comerciais.

Do que não há dúvida é que, quando o ouro se esgotou, a estrutura produtiva do país evoluíra imenso, embora, por força do desaparecimento da fonte de financiamento dos défices comerciais, tivesse atravessado um longo período de crise das contas externas.
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Mistérios da balança de pagamentos

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Tirando uma breve interrupção durante a 2.ª Guerra Mundial, as importações portuguesas superaram sempre as exportações ao longo do século passado e dos primeiros anos do presente. Anuncia-se, porém, que está para breve – talvez já para 2013 – o restabelecimento do equilíbrio.
Como foi possível um período tão longo de défices crónicos? Será que vivemos todo esse tempo acima das nossas possibilidades? É possível que nunca tivéssemos tido uma economia competitiva? E que espécie de milagre é este que nos está agora a acontecer?
No meu artigo de ontem no Negócios tentei explicar de uma forma acessível uma ideia difícil de entender: porque é que o desequilíbrio das contas externas de um país pode não ter nada a ver com uma falha de competitividade e ainda menos com "vivermos acima das nossas posses".

Sei que é difícil fazer compreender isto em poucas linhas (aparentemente, muitos economistas diplomados ou não percebem ou fingem não perceber), mas alguém tinha que tentar.
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15.7.12

David Ackles: Laissez-faire

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13.7.12

A Economist perdeu o sentido do ridículo

 
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Que espécie de coisa é a economia


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Diz-se às vezes que tudo o que é bom ou faz mal ou é pecado. Do mesmo modo, parece que tudo o que nos torna felizes tarde ou cedo se revelar mau para a competitividade da economia.

Os feriados são maus, as férias são más, os fins de semana são maus, o serviço nacional de saúde é mau, os salários altos são maus, os contratos de trabalho são maus, a segurança laboral é má, as reformas são más, as auto-estradas são más, os aeroportos são maus, a limpeza das ruas é má, as escolas bonitas são más.

Isto só nos parece aceitável porque se tornou habitual encarar a economia como algo não só distinto como até alheio ou mesmo hostil à nossa vida individual e colectiva.

O passo seguinte é falar da economia como se ela fosse uma pessoa dotada de identidade física, personalidade própria e sentimentos. “A economia está frágil, mas poderá eventualmente recuperar”. “A saúde da economia justifica toda a nossa preocupação”. “Temos todos de fazer sacrifícios para que a economia cresça”. A economia é provavelmente o mais desfavorecido dos cidadãos.

O estádio supremo desta fantasmagoria envolve a crença na existência de entidades divinas ontologicamente subordinadas à economia conhecidas pela designação genérica de “mercados”. Incumbe a certas pitonisas com coluna nos jornais fazerem o favor de nos dar regularmente conta dos seus estados de alma: umas vezes, os caprichosos mercados estão satisfeitos, declaram confiança nos homens e prometem-lhes mel e maná; outras, estão nervosos e ameaçam terríveis vinganças.

Se isto não é uma religião, o que será uma religião?
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10.7.12

Contabilidade doutrinária

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Deve o corte dos "subsídios" dos funcionários públicos ser considerado um imposto ou como uma redução da despesa?

Poder-se-ia admitir a segunda opção se se tratasse de um corte permanente, equivalente. por conseguinte, a uma diminuição salarial. Todavia, por conveniência ou convicção, o governo optou por classificá-lo como temporário.

Nessas condições, faz mais sentido dizer-se que se trata de um imposto temporário. Mas sabe-se que, oficialmente, foi registado nas contas do estado como uma redução da despesa, apenas e só para encaixar na retórica ideológica da direita.

Decorre de forma evidente destas manobras contabilísticas que a classificação da verba como imposto ou receita é única e exclusivamente uma questão de convenção e conveniência. Dá mais jeito chamar-lhe corte na despesa do que imposto, e pronto.

Acontece que, com a decisão do tribunal constitucional, o rabo do gato fica mais à vista, dado que, não podendo o estado cortar directamente os salários do sector privado, o equilíbrio exigido será conseguido aplicando um imposto extraordinário por um período indefinido.

Ora, sendo o resultado final o mesmo, isto não deixa de incomodar a doutrina.
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6.7.12

Martin Wolf em Lisboa

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Martin Wolf serviu hoje aos convidados do Jornal de Negócios um compacto das opiniões que tem consistentemente exprimido desde o início da crise financeira, mas, apesar de Pedro Guerreiro lhe ter colocado todas as perguntas certas, não foi muito além disso. Eu diria que ele já não se sente tão à vontade na presente fase do drama ao ralenti que estamos a viver.

A única surpresa para mim veio da considerável reverência demonstrada em relação à “fragilidade conceptual” da perspectiva alemã, tendo em conta que ela consiste basicamente na recusa a entender que um mais um é igual a dois.

Não é decerto por acaso que, nos últimos tempos, aprendo mais a ler Munchau do que Wolf. Embora Wolf enuncie com clareza as vias para resolver a crise, não é tão forte como Munchau na compreensão das implicações e riscos políticos da presente situação – precisamente o ponto em que tantos bons economistas tendem a tropeçar – nem na ousadia das propostas para a reformulação do enquadramento institucional da zona euro.

Este último ponto resultará também, em parte, da peculiaridade da circunstância britânica, com um pé dentro e outro fora da União, que implica um relativo desprendimento em relação ao seu futuro.

Uma coisa é certa: todos os diagnósticos superficiais sobre a perda de competitividade dos países periféricos e todas as receitas simplistas para remediá-la mediante a aplicação de umas quantas “reformas estruturais”, tão vagas no conceito como inviáveis na implementação, não me merecem nos tempos que correm mais que um encolher de ombros.
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4.7.12

Thiel e Levchin: o desenvolvimento tecnológico acabou

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Uma tragédia nacional

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Agilidade é uma palavra bonita, que angeliza qualquer trambolho pesadão, desses que atrapalham a já difícil vida do cidadão comum.

Todos gostamos de saber que se tornou mais fácil e rápido obter o passaporte, registar uma empresa, pagar os impostos ou obter uma licença. Todos comungamos da mesma hostilidade em relação à burocracia que exige mais um papel, mais uma assinatura, mais um carimbo.

Porque não se varre então de uma vez por todas os inúmeros escolhos que nos infernizam a vida, tolhem os movimentos e afundam a produtividade? Há aí alguém que se oponha

O drama, como o caso da licenciatura de Relvas nos vem recordar, é que, ao menor sinal de agilização, temos grupos de trafulhas a tirar partido da situação para montar uma barraquinha de atribuição de diplomas, poluir descontroladamente o ambiente, ocupar reservas naturais, escravizar trabalhadores.

De modo que, nestas alturas, o mesmíssimo cidadão que aborrece a burocracia com todas as suas energias dá consigo a exigir mais controlos e mais fiscalização.

É esta uma tragédia nacional que explica muita coisa e que tem as suas raízes na fragilidade das instituições, cujos dirigentes com demasiada facilidade e impunidade cedem às pressões de amigos e conhecidos para dar um jeito.

Como é que se resolve o problema? Isso gostaria eu de saber.
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3.7.12

O governo dos bancos, pelos bancos e para os bancos

Desconfio que isto poder ser uma citação inconsciente de algo que outrém escreveu:

"Apenas os pobres necessitam de desenvolvimento; os ricos só precisam de criados."

Mas há outras partes no artigo que são mesmo minhas.